24 de fevereiro de 2010

PERCEPÇÃO E FATO


Nei Duclós

O fato de existir planeta é indiscutível. Todos sabem que é absolutamente normal uma criatura gigantesca, cheia de água, animais e gente, boiar no cosmo frio ao redor de alguma estrela contando apenas com a força da gravidade. O que deve se colocar em debate é a hegemonia dessa evidência sobre outra, a da existência de países.

Vista do alto, a terra é um conjunto geográfico e não político. Suas riquezas e recursos se espalham independente das fronteiras, tornadas reais por força de inúmeros acordos, por sua vez fruto de conflitos de longa duração. Uma linha divisória é a garantia de paz na diferença, mas hoje é moda pregar o seu fim como sinal de ultra-modernidade. Como se o mapa-múndi, tornado obsoleto, representasse um fato que todos procuram superar.

Quando há crise e um país não consegue resolver coisas banais como escoar água da enchente ou evitar milhares de mortes no trânsito, cresce o sentimento de universalidade. Que no fundo é abandonar o verde-amarelo e vestir logo a camisa do Milan. É o sonho de viver longe de monstruosidades como o assassínio frio de crianças ou o roubo explícito dos recursos públicos.

O abandono da idéia de pátria em função de algo maior não passa de instinto de sobrevivência, quando se emigra para nações que exibam condições econômicas e sociais opostas às nossas. A percepção ideal é ser do planeta quando o fato é sumir para um país remoto, já que a vizinhança ameaça com os mesmos problemas endêmicos.

Eliminar a idéia de Brasil como solução final faz com que o país seja visto como a porção mais generosa dessa terra de ninguém vislumbrada pelos satélites. O resultado é que Itália e França ficam na Europa, os Estados Unidos na América do Norte, mas só o Brasil fica no planeta. Quando abordam nossa realidade, enxergam florestas e instintos selvagens, além de uma pujança de leões jovens, como se nossos índices produtivos obedecessem ao impulso dos predadores das savanas.

Numa nação existe o sentimento de pertença, mesmo com as ameaças, confusões e problemas. Ela costuma ser maior do que a emergente idéia de fazer parte do sistema solar. A verdade é que, mesmo quando queremos ser universais, não nos apresentamos como seres planetários, mas como cidadãos do mundo. E cidadania implica passaporte e não apenas lagos ou montanhas.

RETORNO - 1. Crônica publicada no dia 23 de fevereiro de 2010 no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem de hoje: tirei daqui.

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