Aviso de cara: achei o máximo o novo Batman, o Cavaleiro das Trevas. Filme de ação costuma ser monótono, pois a sucessão de eventos, sem permitir que o espectador respire, hoje é lei no cinema. Batman não foge muito à regra. Mas seu valor está fora do tiroteio, explosões, corridas e saltos no abismo. Mora em outros vetores. Personagens contra si mesmos, por exemplo.
Todos confrontam sua própria persona: o promotor Harry Dent, com o rosto dividido entre o ódio e a justiça; o vilão Coringa, que tem sua cicatriz, fruto da auto-mutilação, como emblema da rejeição que sofreu na vida amorosa; o próprio Batman (interpretado pelo assustador Christian Bale), alter-ego de Bruce Wayne, por sua vez o amante esquecido e vingativo que não suporta a perda e que convive com um velho (Michael Cane), retrato de sua obsolescência; o investigador (o camaleão Gary Oldman) , que morre e ressuscita, que tem o poder e ao mesmo tempo implora clemência; até mesmo a mulher, Rachel, dividida entre dois amores. Diálogos com frases poderosas. E o melhor: uma carga de sínteses e alegorias que traduzem uma série de coisas da nossa era.
A principal delas é a paranóia. A tecnologia disseminada em massa como o pesadelo do caos, que é a representação do terrorismo da era Bush no momento da verdade: valeu a pena abrir mão da liberdade em função de uma segurança impossível? O uso de celulares para os ataques, a presença múltipla do bandido e seu poder infinito de mistificação e manipulação. O que assusta não é a cara de palhaço com a boca cortada pela própria navalha, mas essa rede de acessos e ferramentas que transforma todos em cúmplices da vitória do Mal sobre Gotham City, a cidade mais mal informada do mundo, já que é a única que não sabe que Batman é Bruce Wayne.
O filme é um mural de referências. A sociedade que perde a batalha para o crime precisa do herói solar que suplante a fase infantil de confiar em alguém que age no escuro. O Cavaleiro das Trevas deve dar lugar à lei e à ordem, mas o que acontece é que a desordem toma conta da lei. Para manter o mito, Batman assume a vilania para que seja perseguido e livre a cara do promotor, que lutou contra o crime e morreu depois de se entregar para a Queda. A dupla face do protagonista da Justiça, uma normal e outra cadavérica, diz muito sobre a divisão que o Bem, ou o que as pessoas identificam como Bem, sofre no embate contra a criminalidade.
Batman, como Shane no mitológico final do grande faroeste de George Stevens, despede-se da inocência, que grita em vão seu nome. No fundo, a criança continuará fiel a ele, por mais que o persigam. Criança precisa de alguém a seu lado quando tudo está escuro. Os adultos é que se iludem achando que a claridade irá provar alguma coisa, vai lhes dar segurança. No escuro existem coisas que não dormem. Coringa, por exemplo. Heath Ledger detona. Sua atuação é misto de palhaço de circo e vilão de filme B de gangster. Sua força vem do entorno: ele está em todos os lugares e tudo pode. É o pânico que provoca que alimenta sua performance. Ele não precisaria fazer nada, tanta é injeção que o roteiro e o visual emprestam ao seu personagem. Como é desnecessário, brinca em cena e isso o salva.
O banditismo terceirizado, o que obriga a cidadania em pânico a assumir o papel de assassina, é o grande pesadelo do filme. Detono meu semelhante e me torno igual ao que condeno ou não? É uma questão de sobrevivência. Deve-se perguntar por que chegamos a esse estágio de desrazão. Coringa é a resposta. Ser do Mal dá barato. Enquanto Batman arrosta os pecados do mundo, o multifacínora brinca no abismo.
Onde estamos nesse ruído todo? Presos no barco com a máfia, votando pra chegar a uma decisão. Com a mão no detonador – fuck them all. Confiando o gesto final ao primeiro malvado que se oferece para assumir o encargo. “Batman, come back!” Impossível. Amadurecemos demais para acreditar em heróis de histórias em quadrinhos. Pena que isso não nos leva a nada. É hora, portanto, de revisitar o mito criado por Bob Kane, o que é feito com competência por Christopher Nolan, que também é co-roteirista, junto com Jonathan Nolan.
Novo Batman: matou a pau. Sai da frente.
RETORNO - Imagem de hoje: o Coringa, de Heath Ledger. Brincou. O cara põe o filme no bolso.
Todos confrontam sua própria persona: o promotor Harry Dent, com o rosto dividido entre o ódio e a justiça; o vilão Coringa, que tem sua cicatriz, fruto da auto-mutilação, como emblema da rejeição que sofreu na vida amorosa; o próprio Batman (interpretado pelo assustador Christian Bale), alter-ego de Bruce Wayne, por sua vez o amante esquecido e vingativo que não suporta a perda e que convive com um velho (Michael Cane), retrato de sua obsolescência; o investigador (o camaleão Gary Oldman) , que morre e ressuscita, que tem o poder e ao mesmo tempo implora clemência; até mesmo a mulher, Rachel, dividida entre dois amores. Diálogos com frases poderosas. E o melhor: uma carga de sínteses e alegorias que traduzem uma série de coisas da nossa era.
A principal delas é a paranóia. A tecnologia disseminada em massa como o pesadelo do caos, que é a representação do terrorismo da era Bush no momento da verdade: valeu a pena abrir mão da liberdade em função de uma segurança impossível? O uso de celulares para os ataques, a presença múltipla do bandido e seu poder infinito de mistificação e manipulação. O que assusta não é a cara de palhaço com a boca cortada pela própria navalha, mas essa rede de acessos e ferramentas que transforma todos em cúmplices da vitória do Mal sobre Gotham City, a cidade mais mal informada do mundo, já que é a única que não sabe que Batman é Bruce Wayne.
O filme é um mural de referências. A sociedade que perde a batalha para o crime precisa do herói solar que suplante a fase infantil de confiar em alguém que age no escuro. O Cavaleiro das Trevas deve dar lugar à lei e à ordem, mas o que acontece é que a desordem toma conta da lei. Para manter o mito, Batman assume a vilania para que seja perseguido e livre a cara do promotor, que lutou contra o crime e morreu depois de se entregar para a Queda. A dupla face do protagonista da Justiça, uma normal e outra cadavérica, diz muito sobre a divisão que o Bem, ou o que as pessoas identificam como Bem, sofre no embate contra a criminalidade.
Batman, como Shane no mitológico final do grande faroeste de George Stevens, despede-se da inocência, que grita em vão seu nome. No fundo, a criança continuará fiel a ele, por mais que o persigam. Criança precisa de alguém a seu lado quando tudo está escuro. Os adultos é que se iludem achando que a claridade irá provar alguma coisa, vai lhes dar segurança. No escuro existem coisas que não dormem. Coringa, por exemplo. Heath Ledger detona. Sua atuação é misto de palhaço de circo e vilão de filme B de gangster. Sua força vem do entorno: ele está em todos os lugares e tudo pode. É o pânico que provoca que alimenta sua performance. Ele não precisaria fazer nada, tanta é injeção que o roteiro e o visual emprestam ao seu personagem. Como é desnecessário, brinca em cena e isso o salva.
O banditismo terceirizado, o que obriga a cidadania em pânico a assumir o papel de assassina, é o grande pesadelo do filme. Detono meu semelhante e me torno igual ao que condeno ou não? É uma questão de sobrevivência. Deve-se perguntar por que chegamos a esse estágio de desrazão. Coringa é a resposta. Ser do Mal dá barato. Enquanto Batman arrosta os pecados do mundo, o multifacínora brinca no abismo.
Onde estamos nesse ruído todo? Presos no barco com a máfia, votando pra chegar a uma decisão. Com a mão no detonador – fuck them all. Confiando o gesto final ao primeiro malvado que se oferece para assumir o encargo. “Batman, come back!” Impossível. Amadurecemos demais para acreditar em heróis de histórias em quadrinhos. Pena que isso não nos leva a nada. É hora, portanto, de revisitar o mito criado por Bob Kane, o que é feito com competência por Christopher Nolan, que também é co-roteirista, junto com Jonathan Nolan.
Novo Batman: matou a pau. Sai da frente.
RETORNO - Imagem de hoje: o Coringa, de Heath Ledger. Brincou. O cara põe o filme no bolso.
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