14 de fevereiro de 2008

TÉCNICAS DE VENDAS


Estreei nas vendas aos 14 anos, quando comecei a atender na Casa do Pescador, montada numa pequena garagem por meu pai no início dos anos 60. Como pastei muito até finalmente me desvencilhar do balcão, acabei me transformando num observador crítico dos negócios. Praticamente faço amizade com todos os comerciantes da região onde moro. Quero saber como funciona, o que pega, quais as estratégias. Ao mesmo tempo, fico olhando como é o atendimento, a oferta de produtos, o que agora chamam de diferenciais e que é o pulo do gato de cada portinha onde se abre um sonho.

O comércio em geral tem condições de melhorar tudo, mas não faz ou não consegue. Algo emperra a evolução. Ainda estamos na época das retaliações e das desconfianças. Para nós, os brasileiros, todo comerciante é ladrão e para estes, todo freguês é um folgado. Como conseguem comprar e vender com um barulho desses? Mistério. Ainda mais que noto a quantidade de gafes cometidas pelos que deveriam beber hectolitros de Simancol, os próprios vendedores. Vou destacar alguns capítulos dessa história tenebrosa.

É A MARCA QUE EU USO

Deve funcionar, pois eles sempre dizem isso. Essa geladeira faz barulho? "Silenciosíssima. Comprei uma para mim e não me incomoda". Essa toalha dura mais do que um ano? "Muito mais, é essa que eu tenho no meu banheiro". Você leva o troço para casa e não consegue dormir, pois o refrigerador não cansa de denunciar que há um macaco dentro dele, sempre desperto. E a toalha se esgarça no primeiro mês. Nem serve para pano de chão.

LASSEIA

Você calça 44 e quando diz seu número todos caem na gargalhada. Aí te trazem, claro, o 43, que é simplesmente a mesma coisa. Mas esse joça me aperta, digo, alarmado. "Ah, mas lasseia. Em seguida teu pé acostuma". Ou seja, quando o sapato completar seu ciclo útil aí sim teu dedão, que ficará de fora, caberá no número oferecido. Quando me trazem o 43 sem eu ver e noto que aperta e replicam lasseia, saio imediatamente da loja.

NÃO MEXA EM NADA. QUEBROU, PAGOU

"Mas você entulha a estante de quinquilharias, não deixa espaço para a gente passar e ainda reclama quando esbarramos sem querer numa merda de barro colorido imitando o folclore? Se você me cobrar pelo que quebrou, então vou jogar todas essas merdas no chão, de propósito". Esse é o tipo de diálogo que se estabelece numa lojinha de arte aqui da ilha. Outro hábito é proibir as pessoas de folhear revistas e livros. Tem que comprar de olhos fechados. O ideal é pagar e não levar nada.

FIQUE À VONTADE

Já comentei aqui no Diário da Fonte, acho que mais de uma vez. Mas merece figurar nesta antologia. Fique à vontade quer dizer: "Estou de olho em você. Se sair sem comprar nada, te rogo uma praga. Se ficar empatando muito, vou te empurrar para fora. Se perguntar por algo que não temos, vou te ignorar e tentar te vender o que bem entendo". O fique à vontade do comércio é como aquela velha dona de pensão, que dizia para estudantes famintos e duros: "Podem se servir à vontade, de uma banana".

VAI QUERER O QUÊ?

Essa frase vem acompanhada por um levantar de queixo em direção ao pobre do cliente. "Vai encarar? O que você quer aqui no meu estabelecimento? Quer levar um soco? Quem mandou entrar? Só atendo os meus iguais! Saia imediatamente! E não esqueça de passar antes no caixa. Entrou aqui, fica devendo".

VAI PAGAR A DINHEIRO???

Como não existe mais moeda, mas apenas uma promissória de quanto cada brasileiro deve para os gringos, o dinheiro se tornou um pesadelo no comércio. Todo mundo quer ser pago com qualquer coisa, menos com grana. Porque a bufunfa encerra o compromisso, a relationship entre vendedor e comprador. É pa-pum. Enquanto um crediário leva esse laço até o infinito.

SÓ TEMOS NA OUTRA LOJA

Toda loja tem outra similar, fantasma, que dispõe do produto que você quer. Pode ser uma filial, a matriz, o depósito, mas jamais ali onde você está. Serve para o vendedor tirar um toco de você, dizer que ele tem, mas não vai te vender. Aliás, ele não está a fim de te vender. Você atrapalha, enche o saco, entra nas dependências que pertencem a ele. Um estabelecimento comercial é concebido para servir o proprietário. É o lugar onde ele é rei e o resto (você) súdito. Tem exceções, e esses enriquecem.

"NÓS TRABALHAMOS DESSA FORMA"

Contribuição de André Falavigna, que confessa adorar essa : “É mais ou menos assim: ou vocês compram o que eu quero vender pelo dinheiro que eu quero ganhar e pagam como gosto de receber, ao invés de comprar o que precisam pelo que podem e pagarem do jeito que dá, ou vão para as putas que os pariram, compreendem?”

RETORNO - 1. Imagem de hoje: Debret e a velha relationship brasileira. 2. Saiu no Almanaque Gaúcho desta sexta-feira, dia 15 de fevereiro, na Zero Hora: A frase "Com seu clima e seu rumor" foi incluída erroneamente ao final do poema O nome da terra, de Nei Duclós, publicado na edição de 13 de fevereiro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário