10 de fevereiro de 2008

A CULTURA PRODUZIDA PELA DITADURA


A ditadura econômica não podia continuar usando economistas tradicionais, como Roberto Campos ou Octavio Gouveia de Bulhões, ou economistas políticos escroques, como Delfim Netto (que recentemente, num hilário artigo da Folha, recheado de anacronismos, imaginou um 1945 sem Vargas, um 1985 quarenta anos antes). Precisava de algo mais, como os economistas heterodoxos, que destruíram nossa moeda com sucessivos planos mal sucedidos.

Como todos foram queimados, os primeiros pelo regime militar e os outros pelas burradas da nascente Nova República (ou a ditadura consolidada) era preciso mais ainda. A ditadura tinha uma na carta manga, cevada desde os anos 60: o intelectual orgânico, que se identificava com o pensamento dito progressista (desde que fosse anti-Vargas). Este, devidamente queimado por sua vez, foi substituído por algo ainda melhor, o clone do trabalhismo, que engoliria todos os esforços das lutas populares.

Sebastião Nery, no site da Tribuna da Imprensa, divulga o lançamento do livro Quem pagou a conta? A CIA na guerra fria da cultura, da pesquisadora inglesa Frances Stonor Saunders (editado no Brasil pela Record, tradução de Vera Ribeiro). O livro, que é super bem documentado, reporta o fato de a CIA ter instrumentado a Fundação Ford para inundar de dólares os intelectuais fazedores de cabeça do Terceiro Mundo, como FHC, que com a bufunfa fundou o Cebrap, depois de ter prestado bons serviços com sua teoria sobre as maravilhas e benesses da dependência aos Estados Unidos. Do Cebrap saíram coisas como Francisco Weffort (não por acaso, ministro da Cultura de FHC), autor da teoria do populismo varguista, a que deu base para inventar o petismo, que com o tucanato dividiu o privilégio de entregar a soberania do país integralmente.

Já que o Brasil tinha sido governado por hediondos populistas anti-semitas (aqueles estadistas que enviaram tropas para lutar de armas na mão contra o nazi-fascismo), então era o caso de entregar as chaves do cofre para os neo-babadores de ovo do imperialismo. A primeira providência foi desmoralizar essa palavra, imperialismo, e debochar das chamadas perdas internacionais. Em troca, os espertalhões ganhariam muitas honrarias pelo mundo afora. Basta lembrar a cara de palerma de FHC com suas coroas de honoris causa. Era incensado por entregar o patrimônio nacional, construído ao longo de séculos, e que sumiu com meia dúzia de decisões criminosas.

A cultura que se produz na ditadura, da contrafação modernista (a cavaleiro da revolução oswald-marioandradina) aos pseudo escritores que posam esfregando a bunda no piso encerado das bibliotecas paternas, passando pela mídia especializada cool (que lembra outra palavra, mais prosaica), está voltada para a desagregação do Brasil soberano. Em troca da pretensa hegemonia dos charmosos bajuladores do dólar, tudo foi feito para acabar com o país que não permitiu que imperasse a política econômica entreguista dos grandes monopólios voltados para a exportação (o que nos transformava numa plantation qualquer, daquelas idênticas que existiam, no Caribe, e que agora estão de volta com o tal biocombustível, tese que saiu de Bautista Vidal, político a serviço de Geisel que pegou carona no neo-trabalhismo entreguista pós Brizola).

O coronelato da grana teve que ficar sob o tacão de uma política nacionalista e trabalhista, pagar direitos aos trabalhadores e assumir responsabilidades, muito longe da putaria de hoje, em que até chinês vem aqui dominar nossas fábricas. A cultura, que está a soldo dessa situação, não pode se insurgir contra ela e portanto inventa a tese do Estado de Direito, distribuindo mais dinheiro para quem compactuar com suas teorias bagaceiras. Na periferia dessa monstruosidade oficialesca, há também a marginalidade intelectual, já que a ditadura providencia tudo, de Maluf a Marta Suplicy, de Erasmo Dias a Henry Sobel. Essa marginalidade tenta sobreviver também se alimentando das ruínas do modernismo, mas carnavalizado. O que os denuncia é a identificação anti-varguista, já que é preciso ficar de acordo sobre o verdadeiro inimigo.

E o inimigo somos nós, prezado leitor. Nós, que amávamos tanto a revolução e que ficamos de fora das avalanches de dinheiro que soterraram qualquer resquício de arte verdadeira. Vendo o intrigante filme de Julio Bressane, Dias de Nietzsche em Turim, me chamou atenção o trecho em que o filósofo fala da arte como a única salvação para uma vida plena, já que fora dela não somos nada. É nesse coraçãozinho batendo sem parar, a necessidade de criar, fazer arte e viver dela, é que eles interferiram. Compraram as cabeças, desvirtuaram os estudos, fecharam as comportas da criação. E o que temos? Caras compungidas de pretensa produção de pensamento, traidores em fila para receber os trocos distribuídos pela bandidagem global.

Não tente furar esse bloqueio, que serás execrado até o final dos tempos. Quando destampares esse bueiro e teus miolos se esparramarem pela calçada de má fama, quando tua poesia, teu romance, teu livro para a juventude chegar ao ponto de não poderem ser mais ignorados, eles então usarão os cretinos milenares, os que posam de escritores e intelectuais, os que você até chegava a considerar.

Pois eles estão de plantão. Não perdoam terem sido desmascarados em sua poses de carnavalização do caos, a que celebra a frescurada para deixar passar o bloco dos tanques e das botas imperiais. Eles te pegam na saída, como se dizia no colégio da minha terra. Te cagam de pau, como costumávamos dizer. Quem manda se meter a besta. Por que não ficou quieto no teu canto, morrendo lentamente, para que tudo fique na mais gloriosa paz? Bobalhão, imbecil, burro. Por que não te calas? Ou, como me disseram quando comecei no jornalismo e já colocava minhas garras de fora: “É assim que queres sobreviver na sociedade de consumo?”

RETORNO - Imagem de hoje: cena, com o ator Fernando Eiras, de "Dias de Nietzsche em Turim", de Julio Bressane. O filósofo com o espírito livre, diante do abismo de sua individualidade e de sua missão de transformar o mundo, dá uma aula de resistência por meio do pensamento que alcança o status de arte.

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