22 de fevereiro de 2008

DIOGO E DIANA: ENFIM, UMA RESENHA


Resenha assinada por Renato Pompeu e publicada nesta sexta-feira, dia 22 de fevereiro de 2008, no suplemento DC Cultura do jornal Diário do Comércio, da Associação Comercial de São Paulo.


Um “romance juvenil” que mais parece infantil

Renato Pompeu

O bem conhecido escritor e cineasta gaúcho Tabajara Ruas e o escritor, poeta e jornalista Nei Duclós, radicado em Florianópolis, se associaram para escrever, a quatro mãos, uma série do que apresentam como “romances juvenis”, sob o título geral de Diogo & Diana, cujo primeiro volume, Diogo & Diana em: Meu vizinho tem um rottweiler (e jura que ele é manso, foi editado pela Galera-Record.

Diogo tem 14 anos e Diana tem 13, mas o livro parece muito mais escrito para crianças do que para jovens adolescentes. São vizinhos em Florianópolis e são dotados de poderes mágicos, como o de enxergar bruxas onde ninguém mais vê nada. Envolvem-se em aventuras contra uma bruxa que mata crianças. O romance respira a magia da cultura popular catarinense. Como escritores talentosos que são, Ruas e Duclós conseguem dar vida real a personagens folclóricos, como a assombração da mulher nua que anda a cavalo pelas praias, que se misturam à trama com cantoras de rock e praticantes de surfe. Sucedem-se os episódios de magia e de bruxaria, tornados verossímeis pela escrita ágil e vivaz.

As paisagens de Florianópolis, da Ilha de Santa Catarina e do litoral e dos mares catarinenses talvez não tenham ainda, na literatura, alcançado tão plenamente em texto descrições tão formosas quanto a desse livro “juvenil”, dignas das belezas naturais que evocam.

Possivelmente, a série tenha sido inspirada pelo êxito do bruxinho inglês Harry Potter. Mas uma pista adicional sobre as intenções dos autores nos é dada pela apresentação, na orelha, de Tânia Piacentini, doutora em literatura: é “o imaginário tradicional da gente da ilha o ponto de largada para que a história ganhe força, fugindo dos clichês estrangeiros de tantas narrativas dirigidas a jovens leitores”.

Ruas e Duclós, assim, parecem ter tido a ambição de escrever uma história nacional e popular, mas não faltam o que seriam “clichês estrangeiros”, como o fato de a heroína Diana e uma proporção grande de outros personagens serem louras de olhos azuis, ou tenham “olhos cristalinos”, enquanto a morenice e a negritude são muito menos freqüentes na história do que na realidade brasileira.

A beleza do fraseado, das ações mágicas descritas, das viagens em velhas baleeiras, da descoberta de antigos galeões naufragados, dos passeios de bicicleta pelas ruas irregulares no traçado e na altura da capital catarinense, das tempestades de areia, dos redemoinhos de vento, se vê algo prejudicada pela citação de astros fugazes do rock e pelo uso de termos técnicos de surfe, que evocam situações e estéticas inapreensíveis por boa parte do público a que o livro se destina. Além do que essas citações do rock logo podem se tornar obsoletas, tornando o livro um produto não durável.

Mas o livro vale pelo texto lindamente ritmado que torna encarnações vivas as tradições do folclore catarinense, enriquecidas também pela inventividade própria dos autores. Nesse sentido, ele é de leitura agradável para crianças e também para adultos, como acontece com os livros infantis de Monteiro Lobato ou de Ruth Rocha. Só não parece adequado como “romance juvenil”, pois os jovens da mesma idade que seus personagens principais, ao que parecem, ficarão impacientes com a ingenuidade e o irrealismo das peripécias.

Difícil será manter o fôlego do texto e o interesse nas aventuras de Diogo e Diana nos volumes a seguir. Os autores, no entanto, parecem à altura dessa tarefa. É importante salientar que, cheio de ação e de milagres, o livro parece escrito com miras à adaptação cinematográfica ou televisiva.

Renato Pompeu é jornalista e escritor, autor do romance-ensaio "O mundo como obra de arte criada pelo Brasil", Editora Casa Amarela.

RETORNO - Renato teve a gentileza de me enviar a resenha com antecedência e fez um pequeno reparo a partir do nosso debate sobre o texto. Fico gratificado pela atenção dedicada ao livro, por parte de um dos grandes escritores brasileiros contemporâneos e jornalista de primeríssimo time. Renato aborda dialeticamente a aventura, apontando mais qualidades do que defeitos. Claro que continuo achando que o livro é mais para o público juvenil e tenho tido prova disso pelos depoimentos que me enviam, pelo destaque que começa a ter no Orkut, pelo contato direto com leitores adolescentes etc. Mas acaba sendo para todas as idades, inclusive a infantil (muita gente grande gostou). Quanto às gírias, não correm o risco de datarem o livro, pois todas elas estão bem amarradas pela narrativa em língua culta. E o que os amigos do Diário da Fonte acharam da resenha? Cartas para a redação. E um aviso para o autor da resenha: o segundo livro está bala, e às vezes, bastante assustador. Há fôlego para muita ação. Aguardem.

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