11 de agosto de 2007

NA PISTA DE RASTROS DE ÓDIO


Casamentos seriam a espinha dorsal deste filme maior?

Revejo, agora em Dvd, The searchers, a obra-prima de John Ford. O rosto crispado de John Wayne, seu olhar oblíquo de fúria embaixo do chapéu negro, é a imagem mais poderosa do cinema. A cena em que ele levanta Natalie Wood, assustada diante do gigante, trêmula e encantadora, pautada pela frase “Vamos para casa, Debbie”, é incomparável: em nenhum outro momento seremos testemunhas de tanta majestade humana, quando se concentram, num mesmo gesto, o caçador e a presa, o ódio e o perdão, o pecado e a remissão, a espera e o encontro. Mas não é disso que quero falar sobre o filme que arrebatou o mundo desde que foi lançado em 1956. Mas abordar um veio riquíssimo da sua trama: o dos casamentos.

Podemos balizar a obra pelos casamentos. Em primeiro lugar, a união de Martha e Aaron, o irmão de Ethan (Wayne). A casa no meio do deserto, quente e acolhedora, é a civilização em meio à barbárie. É para lá que Ethan se dirige, depois de três anos vagando pelo mundo, desde o fim da guerra civil, quando tinha lutado pelos confederados, o Sul vencido. Ele tentou ficar longe, mas não conseguiu. Voltou para cobrar a conta. E qual seria esta conta? A do amor perdido, já que Ethan é apaixonado por Martha e vice-versa. Isso fica claro de maneira sutil e ao mesmo tempo firme, quando os dois se encontram, quando se beijam num cumprimento que deveria ser frio, mas é ardente. E fica explícito quando Martha acaricia o casaco de Ethan, detalhe visto pelo Reverendo (a brutalidade da Lei tentando se impor ao caos).

Esse casamento perdido, esse descompasso entre o grande amor do renegado e a mulher protegida pela casa civilizada e o matrimônio, seria a espinha dorsal do filme. Ethan, no fundo, se culpa por ter perdido o seu amor e também se culpa por ter se afastado da casa, o que deu margem ao massacre promovido pela tribo de Scar (Cicatriz), o comanche que acaba seqüestrando Debbie por mais de cinco anos. Ethan quer impedir o casamento, a união renegada, entre Scar e sua vítima, entre o índio e a mulher branca. A mestiçagem é o sinal explícito da derrota para Ethan. É entregar-se ao inimigo e daí vem sua implicância com Marty (Jefrey Hunter), mestiço que ele, Ethan, salvou de outro massacre quando era ainda criança.

Temos então a tragédia dos casamentos: a do irmão com a amada do herói e a do algoz com sua vítima. Há outros dois, ambos envolvendo Marty, que casa por engano com uma índia enquanto deixa a noiva esperando por longos invernos. Estes, estão identificados com a comédia. Tanto a noiva índia que é jogada para fora do leito conjugal aos pontapés, quanto a briga entre pretendentes numa cerimônia hilária, são o contraponto à tensão gerada pela perseguição. Ethan debocha desses dois casamentos cômicos, enquanto procura novas pistas para chegar até Debbie, último vestígio do casamento entre o irmão e a cunhada.

Seria, Deus do céu, esse o motivo que Ethan tinha para acabar com a garota logo que a visse? Sua justificativa é que ela não era mais branca, mas mulher de comanche, e por isso deveria ser eliminada. Permitir esse casamento espúrio seria a derrota final para Ethan. Mas a causa do seu ódio não seria o ressentimento em relação a esse casamento que se interpôs na sua vida, que o deixou de lado de fora da casa e da civilização? Ser um renegado é um destino difícil de mastigar. Ser um herói solitário só é suportável quando não há mais esperança. Ethan tinha vontade de rever e reconquistar seu grande amor, por isso voltou.

Ao primeiro sinal de desavença, ele explode com o irmão, numa das seqüências iniciais. Paga, atirando um saco de dólares, sua estadia. Naquela casa, havia também a vontade de tê-lo sempre por perto, tanto por motivo de segurança (conforme a lembrança de um dos filhos do casal na hora do perigo) quanto pela atração que Martha sente por ele. As mulheres de John Ford, de longos aventais, têm a mesma força dos homens na personalidade e nos atos. Há crueza nestas mulheres, autenticidade, franqueza. São, portanto, inesquecívies, como todo o resto do filme.

Há ainda o casamento longevo, da casa que sobreviveu aos ataques e que recebe Debbie no final (o filme tem 40 anos, posso comentar o final!). Lá naquela casa batida de leve pela brisa do deserto, onde Moses, o Idiota adorável, enfim tem sua cadeira de balanço para descansar os ossos, o velho casal recebe os rastreadores e a garota perdida. Uma nova família se forma. Mas Ethan volta-se para o deserto e sai andando por ele, enquanto ficamos do lado de dentro da casa, olhando pela porta que enfim se fecha. É aqui, na civilização, que nos situamos, enquanto o herói parte, solto como o vento, carregando suas feridas guerra. Solitário, por ter perdido todas suas chances de viver em paz.

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