Nei Duclós
Por que acusar agosto de crimes que em todos os meses se cometem? Por que sentir saudade de janeiro, quando sabemos que é tempo de inundações e tempestades? (Crônica publicada neste domingo no caderno Donna DC, do Diário Catarinense).
É arriscado dizer que agosto parece humano depois da sordidez dos meses anteriores, em que mergulhamos no mais tenebroso Inverno. Vai que o tempo vira de novo, ou que, Deus nos livre, algum outro gênio morra. Houve até a morte providencial de Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni um pouco antes da chegada do mês fatídico (ou teria sido seu prenúncio?).
Talvez este agosto tenha traído sua natureza e resolveu provar que a implicância contra ele não deveria existir. Há perda em qualquer época do ano. Por que acusar agosto de crimes que em todos os meses se cometem? Por que sentir saudade de janeiro, quando sabemos que é tempo de inundações e tempestades? Por que celebrar fevereiro se o país pára e as estradas ficam coalhadas de acidentes?
E julho, mês de férias, com seus apagões aéreos? Por que ansiar por setembro, se sabemos que a tragédia não escolhe data nem o amor exibe algum capricho sazonal? O que dizer de novembro, então, com suas torres despencando em milhões de pedaços? Por que culpar agosto quando existem tantos candidatos à condenação?
Identificar os meses selecionando eventos que tracem seu perfil, gerando assim definições impostas, baseadas em evidências aleatórias, é mais uma herança da astrologia popular do que da realidade. O álibi é que qualquer defesa feita poderia escorregar em algum grande terremoto.
Ter perdido tanta gente brilhante em agosto não significa nada quando sabemos que Charles Chaplin se foi no Natal. Para quem teve uma experiência dolorosa num mês qualquer, a passagem por agosto pode até ser um alívio, por não lhe trazer nenhuma lembrança pesada. Talvez fosse o caso de fazer com que agosto assuma outra vestimenta. Poderíamos inverter a má fama escolhendo agosto como o mês do balanço, já que o ano custa tanto a começar.
Depois das festas da virada do ano, do Carnaval e da Páscoa, dos recessos parlamentares e das leis adiadas, depois que se esgotam as desculpas dos governantes, das dietas e das mudanças que nunca são levadas a sério, chegaria uma época, exatamente este mês tão pouco considerado, em que mergulharíamos coletivamente numa reflexão sobre o que estamos fazendo com nossas vidas.
Seria a chance de provar que o acaso não é determinante dos destinos, que nossos rumos poderiam sofrer a influência do que matutamos, debatemos, definimos. Poderíamos escolher agosto como o mês em que as palavras voltam ao seu leito normal e nomeiem as coisas e os eventos sem o brilhareco das ilusões ou das falsidades. Agosto seria então aquele vale, não de lágrimas, que delas nos servimos em qualquer tempo, mas de um olhar mais atento ao que somos.
Seria o ambiente ideal para decisões mais profundas, que nos atinjam em cheio. Pois vamos o tempo todo empurrando para frente o que sabemos ser fundamental para nós. Um dia, quem sabe, costumamos dizer, mentindo por dentro. Pois se escolhermos agosto para a tomada de posição, quem sabe esta seria uma época aguardada com alegria, ano após ano, em que poderíamos somar vitórias no lugar de temer represálias do destino? Teríamos assim motivos de sobra para celebrar agosto.
Esperaríamos sua chegada como o momento decisivo em que não teríamos mais motivos para deixar as coisas para mais tarde. Seria o rito de passagem não para o final preguiçoso do ano, mas para o nível ao qual sempre aspiramos. Esse nível nada tem a ver com status ou glórias, mas com o que queremos fazer, gostamos de fazer e sabemos que isso é o que nos tornará completos.
Podemos até torcer que uma idéia assim, jogada a esmo como semente em território incerto, não fique para trás, como costuma acontecer. Pois qualquer proposta passa antes pelo corredor polonês das críticas e desconfianças. "Ora, mas isso não vai dar certo. Já pensaram antes e o que aconteceu?" Dúvidas assim seriam a primeira prova. Os outros meses agradeceriam. Principalmente dezembro, que ficaria assim livre apenas para as festas. Certamente haveria menos choro no Natal e Ano Novo, já que as grandes decisões foram tomadas em agosto.
Haveriam brindes de verdade, sem o peso amargurado dos balanços de fim de ano. Pois agosto, como um mensageiro que traz a boa nova, teria dado conta do serviço.
RETORNO - Saiu a segunda edição do livro "A espada na pedra", primeiro dos cinco volumes da saga arturiana de T.W. White, Once and future king. A tradução dos livros é de Maria José Silveira, mas o título da coletânea foi traduzida por mim: O único e eterno rei, quando fui editor executivo da W11, agora Francis. A orelha não está assinada, mas também é minha. Na época decidi não assinar, pois estava assinando orelha demais na editora. Diz meu texto: "Seria inconcebível o sucesso extraordinário de histórias como O Senhor dos anéis e Harry Potter sem que, antes delas, existisse a seminal e insuperável obra de T.H. White, O único e eterno rei, da qual A espada na pedra é o primeiro dos cinco volumes. Esta versão definitiva da lenda arturiana, lida e amada por todas as gerações e fonte generosa de inúmeras outras obras no cinema, no teatro e na literatura, é uma influência cultural decisiva do nosso tempo. Este primeiro volume apresenta a educação do jovem Arthur, aqui apelidado Wart, sob o teto de seu tutor, sir Ector, e introduz a figura de seu grande guia da vida inteira, o mago Merlin. Dos cinco volumes que compõem a saga, este é o de maior apelo entre jovens. Ao inaugurar a história, A espada na pedra toca na mais explícita manifestação da permanência da vida humana, a predestinação, que é a garantia da justiça, patrocinada por um poder maior, a divindade". O texto continua. Daqui a pouco digito o resto.
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