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25 de julho de 2006
A REVOLUÇÃO DOS ROTEIRISTAS
Há uma reação cada vez mais intensa contra a babaquice da chamada indústria do entretenimento, braço ideológico da era Bush. A idiotia reinante é a retaliação ao que de melhor se fez nas décadas anteriores. Veio em forma de roteiros robôs, clonados e multiplicados ao infinito. E da destruição do trabalho autoral dos cineastas, que hoje são apenas funcionários de megaproduções (pessoas como Roman Polanski e Woody Allen são exceções; mesmo que o primeiro também faça parte de altos esquemas, ainda consegue imprimir sua marca neles). Todos hoje podem adivinhar o desdobramento de um filme a partir dos seus momentos iniciais, mas isso não goza mais da mesma impunidade de anos atrás.
Não que Hollywood volte aos tempos em que contratava escritores de verdade para roteirizar seus filmes em série, como Faulkner, Brecht, John Fante (que jamais ficavam satisfeitos com o resultado). Hoje o roteirista é um free-lance, que usa um esquema fatal para concretizar seu trabalho: envia o roteiro para os atores consagrados, e também diretores com passado autoral, que caem como loucos nas boas histórias, especialmente as que fogem da padronização e da celebração dos crimes do Império. Mas há um perigo: não se pode dar bandeira, fazer oposição descarada, já que cinema sempre foi uma atividade estratégica, monitorada pelo macartismo vencedor.
Então se fazem grandes roteiros, que geram filmes importantes, mas o making off acaba jogando areia nos olhos de todo mundo, pois é importante preservar o espírito americaninho de ser, não dar sopa diante das ameaças da criminalidade imperial. No máximo, esse tipo de filme, que tem exemplos notórios especialmente de 2002 para cá, faz denúncias pesadas às pressões que a cidadania não consegue mais suportar. O contraponto é apostar na imagem original do estado americano, capaz de gerar justiça, o que às vezes produz um happy end (precário, mas feliz).
Syriana é o exemplo mais forte. Roteirizado e dirigido por Stephen Gaghan, encheu-se de astros que imploraram uma ponta. Atores famosos como Matt Damon e George Clooney dizem que a grande estrela do filme é exatamente o roteiro. É uma denúncia grave sobre os interesses e ações americanas no Oriente Médio, já comentado aqui no DF. O álibi, no caso, foi usar as memórias de um ex-agente da CIA, o que deixa tudo em casa, pois a denúncia viria do ventre do monstro. Mas é incontestável que o filme expressa o que a oposição do país pensa sobre os conflitos que hoje destroem o Líbano e o Iraque, entre outros resultados. É, como disse no meu artigo, o petróleo segundo a CIA, mas é também uma forma de dizer não ao horror imposto pela corrupção e o poder de fogo.
O Senhor das Armas, com Nicholas Cage, e roteiro de Andrew Nicol, é uma comédia sinistra e irônica, com os dois pés no drama, que aponta os responsáveis pela matança em todo o mundo: os países membros do Conselho de Segurança da ONU. Antes que se diga que isso faz parte da tradição da América, denunciar os excessos do Império, parece que há algo de novo no ar: uma exaustão da exterminação em massa, que extrapola a revisita às histórias da Segunda Guerra. Começou por aí, pelo que os alemães fizeram, mas agora chega ao centro do horror, colocando a responsabilidade nas mãos deles mesmos, os arautos da democracia e da retidão de caráter.
Quem vê e ouve Condoleeza Rice, com seus olhos de abutre, suas maçãs salientes no rosto (o que lhe dá o ar de uma bruxa niquelada) dizer que a atual guerra do Líbano são as dores do parto de um novo Oriente Médio, sabe que ela tem uma visão bem distorcida do que seja um parto. No lugar de gerar vida, promove a morte. Condoleeza é o ápice do cidadão que manipula tudo a seu favor, como fica explícito no filme Fora de Controle, roteirizado por Chap Taylor e Michael Tolkin. A imoralidade profissional, a ansiedade, o medo de perder status, a pressa e o egoismo fazem a festa no país sanguinário, que resolveu tacar fogo no mundo.
Há ainda refilmagens como Sob o Domínio do Mal (com Denzel Washington e a maior atriz do mundo hoje, Merryl Streep, em performance magistral como a senadora/Jocasta), que clonou o clássico de 1962 de John Frankenheimer, ambos feitos a partir de uma livro de Richard Condon. O novo, de 2004, foi roteirizado por Daniel Pyne e Dean Georgaris e livra a cara dos soldados no Iraque, mas não deixa de denunciar a guerra. É sobre o uso do subconsciente das pessoas para impor um estado de terror na América e no resto dos países. Coisa que já aconteceu, com o títere que governa a mando dos traficantes de armas, dos donos do petróleo e de seus aliados nas elites asquerosas dos últimos mundos.
O cinema americano está vivo, apesar de tudo. É possível encontrar nas locadoras filmes desafiadores. Mesmo exibindo a bandeira estrelada em quase todas as cenas (parece que é obrigatório), nos faz ter alguma esperança. Talvez estejamos todos fartos dessa guerra sem fim. Talvez o atual presidente caia por seus erros e que o próximo seja alguém gerado no coração desse movimento de libertação das velhas fórmulas. Isso lá é possível? Sempre que a esperança dá um aceno, precisamos responder. Alô, esperança, você diz alô e eu não digo adeus. Cante comigo.
RETORNO - Imagem principal: Frank Sinatra e Lawrence Harvey no clássico de 1962, The Mandchurian candidate (Sob o domínio do mal). As contradições da América sob a paranóia total geram filmes poderosos, mesmo que mantenham ligações profundas com o Império anti-cidadania. Nas imagens menores, Damon e Clooney em "Syriana", Nicholas Cage em "O Senhor das Armas", Ben Affleck e Samuel L. Jackson em "Fora de Controle" e Merryl Streep em "Sob o domínio do mal" .
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