18 de julho de 2006

MONCLOA, ADEUS





Não há possibilidade de um pacto no Brasil, como entre os espanhóis, o de Moncloa, para enfrentar a situação limite em que nos encontramos. Simplesmente porque a ditadura, o sistema econômico de arrocho e exclusão inaugurado em 1964 e legalizado em 1985 e 1988, permite a mobilidade social entre os donos da bufunfa. Como a elite não está engessada, mas permeável, isso torna o regime palatável e aparentemente indestrutível. É a imagem que sempre uso, de autoria de Euclides da Cunha em Os Sertões, da cidade-mundéu: você a ataca frontalmente, mas ela resiste porque se adapta, acaba te engolindo com sua aparente fragilidade. É diferente do que ocorreu com a Espanha, quando o espírito público foi assumido, depois de muita pressão, por todas as facções em luta, tanto nas elites quanto nos combatentes dos partidos.

No Brasil, a falta de um ideal - a nação soberana - coloca tudo a perder. Não se pensa no país que será herdado pelos descendentes. O importante é arrancar o máximo (dinheiro, poder) aqui e agora. A mentalidade dominante (estabelecida ou emergente) está sempre sendo seduzida pela possibilidade de meter a mão na cumbuca. Então, para que ceder? Na Espanha, descobriram que nada iria sobrar para ninguém, se continuasse o estado de guerra e corrupção, de divisão interna. Aqui os meliantes "estão convencidos" (para usar uma expressão cara ao discurso oficial)que o falso paraíso à custa do sangue da nação durará para sempre.


Não tem como escapar: os ataques acabam anexando novos contingentes aos exploradores do butim (o dinheiro público arrecadado, e que sobra do pagamento extorsivo dos juros da dívida externa). Essas parcelas mínimas que participam da gangorra do acesso à grana convivem com os mandantes velhos de guerra, os donos do poder de há séculos. Foi uma solução eficiente: deixa a indiada entrar que ela acaba se corrompendo. Aconteceu o mesmo no passado: quando Dom João chegou aqui em 1908, a elite já estava misturada, ou seja, tinha formação a partir de vários vetores sociais, o que causou perplexidade à corte portuguesa.

CANUDOS - O que fez o Exército para erradicar em Canudos um enclave fundamentalista que se opunha à República e à exploração do povo? Criou um fluxo permanente de abastecimento de tropas, víveres, armas e munição. Retirar os feridos e substituí-los por soldados inteiros decidiu a parada. Essa lógica que arrasou Canudos e sua população insurrecta foi fruto de uma determinação dos poderes. A mesma vontade deveria se encarregar de nova missão, longe da perversidade em Canudos: a de juntar recursos, contingentes civis e militares, para impedir que a situação de guerra civil se torne irreversível. Oficialmente, ainda temos paz, mesmo que não haja mais paz social. Mas as margens diminuíram bastante. Vejo uma das seqüelas aqui na ilha de Santa Catarina: pessoas de todo o Brasil despencam para cá, enquanto o equilíbrio aos poucos começa a se romper, haja vista a série de barbaridades que se cometem por aqui. Não que a violência seja fruto da migração, os criminosos são de todas as origens, inclusive locais. Mas a paz que definia o perfil da cidade aos poucos se esgarça. Enquanto isso, São Paulo mergulha no medo permanente, sem socorro dos políticos, que insistem nas mesmas práticas.

GUERRA - Eles se garantem. Podem tudo. A situação é idêntica à que é descrita em Pampa em 23, o romance fundador de Ubirajara Raffo Constant: uma reeleição que se aproxima intensifica o conflito e tudo pode acabar em guerra generalizada. Só mais tarde, com o governo de Getúlio Vargas, os que se digladiavam se uniram no Rio Grande do Sul, para enfrentar um perigo maior, o poder central da República. Mas em 1893, em 1923 e em 1924 a luta foi tremenda. O Brasil sempre esteve em guerra. Soa trágica a declaração de José Sarney, o fundador da ditadura civil, de que a América Latina é um continente pacífico, pois não tem, diz ele, guerra há mais de cem anos. Só rindo. Estamos em plena guerra, para começar. E tivemos inúmeras, todas elas desprezadas pela maioria dos historiadores, que ficam se reportando a paradigmas europeus para analisarem nossas pendengas (antigamente, os sábios europeus diziam que nosso continente era inferior pois não conseguia produzir um elefante, no máximo uma anta). A literatura e as memórias tomaram para si a tarefa de explicar essa História direito. E também alguns, raros, historiadores.

POMBO - Soa também ridícula a declaração que a violência em São Paulo não encontra precedentes. Ouvi isso do Aloysio Mercadante, o peito de pomba. Sim, teve, em 1924, quando a cidade foi sitiada pelas forças federais e bombardeada por ordem do ministro da Guerra, o uruguaianense Setembrino de Carvalho. A população fugiu em sua maioria e o resto ficou entocado por duas semanas dentro de casa, enterrando seus mortos nos quintais. É que a expressão não há precedentes soa pomposa e determinante. É apenas uma frase vazia.

RETORNO - 1. A imagem é um trabalho do artista Felipe Constant, filho de Ubirajara Raffo Constant.2.O livro "Pampa em 23" pode ser adquirido na editora Renascença: 51-3334 4399.

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