20 de março de 2005

LEITURA DINÂMICA



No domingão da mídia impressa, Dorrit Harrazim mostra, no Globo, como ensinou Elio Gaspari a escrever. Sua narrativa sobre o brasileiro Junior, que enfrentou julgamento nos Estados Unidos por estupro e foi absolvido, resgata a idéia perdida de reportagem. O assassinato de líderes comunitários em Curitiba pelo desplante explícito do narcotráfico também é outro excelente texto de O Globo, o melhor jornal do país, como me lembrou recentemente, numa conversa na última das redações, o jovem talento Wendel Martins (que daqui a pouco estoura na imprensa no Rio ou São Paulo, além de prometer uma obrigatória sacudida com seu futuro livro sobre Anselmo Duarte). A novela América, por estar sendo perseguida, me afiou os sentidos e descubro algumas coisas que minha má vontade nunca deixa transparecer. Uma delas é a cena em que o amor eterno se manifesta no segundo encontro casual. Graças aos atores, à direção, sei lá, o flagrante sem texto é de uma Débora Secco inconformada ao ver sua paixão, o concentrado Murilo Benício, cercado pelas peãozetes. E o pobre do peão desconfortável com a situação absurda, pois nem sequer tinham se declarado ainda.

AMÉRICA - Malhar novela das nove da Globo virou esporte nacional. Mas cada trabalho precisa ser visto com os olhos livres. A polêmica sobre os animais torturados em rodeio é fruto do oportunismo, pois esse tipo de evento cresceu com todas as honras no Brasil e jamais foi contestado. Agora a novela mostra e, pronto, vira caso de polícia. Coincide com a eterna luta contra a Farra do Boi aqui em Santa Catarina. É uma bobagem sem fim. Existe maior farra do boi do que aquela dos touros soltos em Pamplona, na Espanha? É uma farra do boi idêntica a que temos aqui. Soltam o boi para o povo fugir dele. É uma tourada popular, que nenhuma campanha erradica. Nunca soube de judiação do boi depois da farra. O boi persegue os participantes e depois é sacrificado. É o mesmo que acontece em qualquer tourada. Muito mais violência existe nos estádios de futebol, onde meia dúzia de bandidos surram sem piedade quem estiver na frente e matam quando acham necessário. O problema da novela América não está no rodeio, mas na sucessão de conflitos toscos. A esposa cleptomaníaca, a perua enfastiada, o rico que tem amante, o ambicioso latifundiário, o sonho como fuga da realidade, tudo isso faz parte de um acervo intragável, mas nem tudo está perdido. É preciso deixar que a trama corra solta antes de fazer crítica. O que me agrada é Murilo Benício, que rema na contramão dos canastrões da Globo, ao ser contido, e por isso tem sido achincalhado pelo José Simão, que já achou tudo uma merda. O ator que faz o policial aposentado é também uma caricatura que aspira à antologia, de tão bem feita que é sua atuação (daqui a pouco todo mundo vai saber o nome dele). Nívea Maria surpreende na periferia da trama e Francisco Cuoco mantém-se refém da respiração. A sorte de América é que não tem nem Tony Ramos (horroroso, como sempre, em Madmaria), nem Antonio Fagundes (o eterno papo-anjo pretensioso). Débora Secco precisa parar de respirar tão profundamente e encontrar outra solução para tornar seu personagem marcante. Faça como Murilo Benício: ofereça apenas seu olhar, seu olhar.

MEDICINA - O outono perdeu sua capacidade de misturar eventos, fazer suco de temperatura amena com brisa ou friozinho leve. O que temos é uma estação em ruínas. O sufoco do verão continua, mas sopra um ventinho gelado que te gripa até a alma, por semanas. Voltei aos médicos, depois de alguns anos de desencanto. Continuam iguais. Não sabem nada em sua maioria e te destratam, te culpam pela doença e ainda te dão ultimatos. Mais uns 15 anos de vida, me disse um, sorrindo o riso dos morcegos. A vida é infinita e jamais morremos, essa é a verdade. Algo pode nos levar para o outro lado e isso deve ter um sentido. Acho que é para puxar as pernas dos médicos cretinos, que erram diagnósticos porque jamais prestam atenção em ti. Mas existem exceções. Conheci alguns gênios da medicina, pessoas maravilhosas na sua simplicidade espiritual, generosas no seu olhar protetor, que me salvaram a vida várias vezes. Mas o que temos no geral é um monte de gente sem noção vestindo jaleco e te chamando de velho e obeso. Galã e guri, sempre saio furioso dessas consultas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário