10 de março de 2005

FALTA COM BARREIRA, A CIÊNCIA INEXATA






É complicado. A barreira serve para tirar a visão da bola, para quem defende, e do gol, para quem bate. Como não é possível enxergar o objetivo, tudo depende de cálculo, talento e imaginação. Rogério, do São Paulo, por estar escolado nos dois lados da barreira, sabe o que um goleiro pensa quando ouve o baque surdo da chuteira. A barreira fica a meio caminho entre o artilheiro e o arco. O goleiro não pode confiar na visão, esperar para ver de onde vem a bola, pois será tarde demais. Precisa se antecipar, pensar junto. Nesta quarta-feira, Rogério chutou por elevação, em curva. É quando o chute sugere uma trajetória e toma outra direção, graças à forma com que o batedor define o chute. A região do pé escolhida, o leve roçar para criar efeito, a firmeza do gesto, a energia cinética criada pelo pensamento (que se reflete no chute), tudo isso define uma falta com barreira. Mas nem Rogério nem o São Paulo foram as estrelas da noite. Brilhou o time do Cianorte, que aplicou uma lição ao Corinthians de Passarrola, onde se sobressai Tosquito Tevez, a aparição mais sinistra dos nossos gramados, pelo dinheiro que custou, pelo que representa (a entrega do patrimônio nacional a máfias estrangeiras) e pelos resultados que consegue.


BICICLETA - Sei da existência de Cianorte desde os anos 60. Era uma das daquelas ruas que cruzamos em direção a Goioerê, ficava naquela região onde só tinha mato e barro vermelho. Cidades recentes, que dão banho de crescimento, são a resposta brasileira à falta de políticas públicas. O Brasil é feito assim, na marra, por gente que se enfurna no nada por gerações e faz brotar, do fundo do ermo, uma civilização. O time de Cianorte dominou o jogo, não só pelo conjunto e a objetividade, que se refletiram em três gols memoráveis na Legião Estrageira paulista, mas principalmente pela garra e a competência dos seus jogadores, que driblaram, não erraram passes e ainda nos brindaram com um antológico gol de bicicleta. Vibrei com o Cianorte e gargalhei diante da obscura presença do Passarrola, que nem sabe a língua do país que escolheu para trabalhar, pois a língua espanhola é muito limitada e não consegue entender o português. Já a nossa língua, pela riqueza, torna mais fácil o entendimento não só do espanhol, mas do italiano e do francês. A lição do jogo é que não precisamos lavar dinheiro trazendo nulidades estrangeiras, porque aqui mesmo, no Brazilsão, conseguimos gerar craques sem parar, conseguimos montar times primorosos e basta uma oportunidade para isso ser provado em cadeia nacional. A Copa do Brasil, um arreglo de cartolas em busca de poder, foi transformado pelos times pequenos em chances de aparecer e crescer, como aconteceu com o antológico Criciúma de Felipão, que papou a taça surpreendendo todo mundo. O que mais me irrita são os apresentadores, achando que estão vendo uma excrescência história. O Cianorte, vejam só. Não enxergam a diversidade da vida brasileira, ficam confinados às rotinas dos grandes times que estão no nariz deles. Quando essa mídia viciada e monopolista se defronta com o Brasil, cai de quatro. Impera então jornalismo pois-é-ístico: Pois é, quem diria, acredite se quiser.


ALEX - Os grandes batedores de falta são Alex, Ronaldinho Gaúcho, o antigo Neto e Marcelinho Carioca. Eles sabem do que se trata. É preciso definir, com a mente, o gol impossível. Fazer com que , no momento do chute, a bola encontre o endereço certo. Neles, a bola encontra outras alternativas. O pé de anjo de Marcelinho quica a bola e ela bate no travessão, no ângulo, rola para dentro do gol beijando a rede. Neto destruiu o goleiro Gilmar no Maracanã com uma falta batida a cem quilômetros de distância. Alex é um estrategista (o melhor jogador brasileiro da atualidade). Ele chuta e desiste, vai para casa, toma um banho e volta para comemorar. Ele faz uma divisão interna na cuca para que o pé encontre sua dimensão quântica. O goleiro adversário apenas olha o rastro da bola que entra miseravelmente no fundo. É por isso que Alex não anda, já que cada pedaço do seu corpo tem vida à parte, o que é uma maneira de driblar sem bola, só com o movimento, os adversários. Dizem que ele é preguiçoso e não sei mais o quê. Existem muitos cracaços no Brasil, mas só Alex é gênio. É uma pena que seja tão mal aproveitado e possa acabar como Ademir da Guia, lenda que jamais foi campeão do mundo, ou Canhoteiro, que ficamos conhecendo, décadas mais tarde, por Chico Buarque. Na Alemanha, teremos Alex ou nada. Pois não adianta dar a chance de bater faltas ao bisonho Roberto Carlos, que dá chutão na barreira. Roberto Carlos não entende: bater falta, essa ciência inexata, não depende de força no pé. É complicado.


RETORNO - Não podemos deixar de destacar também a presença abominável de Roger, esse Edmundo loiro, que depois de pisotear deslealmente o adversário, saiu com aquela cara de malandro criminoso que finge não ter feito nada. Desse jeito, o Coritnhians, patrimônio do povo brasileiro, e meu time desde criancinha, vai acabar exibindo o maior número de caras-de-pau por metro quadrado.

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