8 de julho de 2004

A PREVISÃO DO TEMPO

O tempo fechou em Florianópolis e o movimento popular de repúdio à política anti-povo que arrochou o preço das passagens de ônibus ganhou a primeira batalha. A Justiça mandou rever o aumento. Mas no noticiário nacional da Globo o que aparece é o chamado Sul com muito frio e uma imagem anódina da capital catarinense. Para isso serve a previsão do tempo, além de gerar coisas como a Sandra Annenberg (aquela que diz boa tardinhêêêê, para espichar o cumprimento e assim ficar mais tempo no ar). Para dizer que o Sul é frio e que tudo está sob controle deles. Pois não é bem assim.

AGORA O MÉXICO - Então essa parceria com o México é boa para o Brasil? pergunta a apresentadora com cara de gulp/gulp, para a especialista Miriam Leitão (que conheci muito menina, na redação da recém fundada A Tribuna, de Vitória, ES). E-xa-ta-men-te, responde Miriam. Ou seja, preparem-se. Depois da China e da Argentina, chegou a vez de o México gargalhar do Brasil. A cena se passou no famigerado noticiário Bom Dia, Imbecil, aquele em que o Renato Machado recosta-se na poltrona e deita falação, especialmente sobre suas viagens regadas a vinhos ao interior da França. Claro, ninguém reclama. Ninguém fecha a ponte, ninguém grita que está errado. Ninguém lembra que o verso a vida vem em ondas como o mar é do Vinícius de Moraes e não do Lulu (?) Santos. Ontem, Lulu (?) foi homenageado numa premiação gigantesca de música (A Wanderléia ganhou a de melhor cantora; será verdade que os chegfões da gravadora são mesmo do tempo do iê-iê-iê nacional, a musiquinha de lata que ficou na História?). A cantriz que fez a homenagem espichava o verso do Vinicius, agora parte da obra de Lulu (?), com aquele estilo que pegou entre os cantores nacionais, como a se a língua portuguesa fosse um fardo que precise ser demolido a cada emissão de som.

NILSON LAGE - O jornalista e professor titular da Universidade Federal de Santa Catarina mata a pau num artigo da Folha, enviado pelo correspondente do Diário da Fonte no Rio de Janeiro, Jorge Freitas. Vamos a esse artigo sobre a arrogância dos articulistas da própria Folha, o que é um mérito grande para o jornal."A ousadia dos colunistas( Nilson Lage) - Arrogância vem do latim arrogantia, substantivo derivado do particípio presente do verbo arrogare, que significa "apropriar-se", "tomar para si". A raiz arrogante-, no nominativo latino arrogans, genitivo arrogantis, designa "aquele que se apropria". A palavra entrou por via culta - isto é, foi aportuguesada, ao mesmo tempo afrancesada e, daí, anglicizada - no século 16. Frei Diogo do Rosário a definiu: "He a altiveza, com que se estima mais do que se bem he". A forma inglesa, proveniente da França, é arrogance; aparece em Shakespeare - por exemplo, na sentença "I hate not you for her proud arrogance" ("não o odeio pela arrogância orgulhosa dela"), da tragédia do Rei Ricardo III. No século 19, a arrogância era chamada de "soberba"; por quase todo o século 20, foi nomeada como "presunção", "pretensão", "pedantismo" e, popularmente, como "bestice", "rei na barriga", "nariz empinado" etc. A palavra, em si, bem como outras do mesmo galho, tinha uso raro em português, quase sempre restrito ao mundo jurídico: "Eu (me) arrogo o direito de", "a atitude arrogante do réu", "a arrogância perante a corte". Como sua voga atual, no Brasil, decorre do inglês, podemos dizer que retorna por via pseudoculta, isto é, por meio daquela gente da elite que, no esforço de falar português globalizado (prenunciando a Idade Média anunciada em 1977 por Alan Minc e Nora Simon), adora os cognatos. O pessoal que faz, de "inicial", "inicializar"; de "falarei", "estarei falando"; de "desliga", "estará sendo desligado"; que, quando diz que "realiza" alguma idéia, está apenas cogitando pô-la em prática; que substituiu "estrangeiro" por "internacional"... Convocação do além: Pensei nisso, outro dia, viajando de avião, com escalas. Talvez por falta do que fazer, lia jornal buscando, para além do sentido geral dos textos, detalhes reveladores. Era 24 de junho, e haviam distribuído no aeroporto a Folha de S. Paulo. Na página 2, lá estava Eliane Catanhêde. Sua coluna começava assim: "Criado na era Vargas para barrar o avanço do comunismo, o trabalhismo floresceu, murchou, dividiu-se e virou. nada". Não é arrogante colocar, de passagem, em mero particípio absoluto (que, no meu tempo de colégio, chamava-se de "ablativo absoluto"), uma afirmação tão ousada quanto essa sobre a intenção de Getúlio Vargas ao fundar o PTB, em 15 de março de 1945? Será uma teoria criada em São Paulo, daquela série de enunciados antigetulistas que começou com a derrota dos constitucionalistas, em 1932, e durou até Fernando Henrique anunciar (e não conseguir de todo) pôr um fim à "herança varguista"? Em que sessão espírita Getúlio confidenciou à articulista suas motivações secretas? No mesmo jornal, na página 3 do caderno "Dinheiro", ainda no capítulo das arrogâncias, este trecho de Luís Nassif: "A idéia [da integração competitiva] foi retomada no governo Collor e resultou no mais consistente programa econômico dos anos 90, com redução gradativa das tarifas de importação, ao mesmo tempo em que se lançavam as bases para a melhoria da competitividade das empresas brasileiras - por meio da criação do Programa Nacional de Qualidade e Produtividade. "Esse movimento resistiu ao governo Itamar e foi sufocado pela apreciação do real, em julho de 1994. De lá para cá, o projeto nacional foi substituído por um pensamento raso, simplificador, do grupo de economistas que dominou o embate ideológico a partir da mística dos pacotes econômicos. "Agora, é a própria esquerda, modernizada , que começa a se articular em torno de pontos concretos para a montagem de um projeto nacional". Trocando em miúdos: ao contrário do que muitos pensam, a política do governo Lula não continua a de Fernando Henrique Cardoso, que já em 2001 buscava estimular exportações. Ele retorna o "projeto nacional" de Fernando Collor e, aí ao contrário do que todos poderiam imaginar, isso é bom. Adam Smith, David Ricardo e Carl Menger, se convocados do além para uma apreciação da história recente brasileira, talvez não ousassem chegar à mesma conclusão do articulista. E certamente seriam menos enfáticos. "

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