Os estádios de futebol estão vazios porque os jogos começam às 21h40min. É tocante a cena em que milhares de torcedores ficam esperando a novela acabar para que o monopólio de comunicação imponha sua vontade. Sair por volta da meia-noite, pegar o ônibus e voltar para casa significa chegar de madrugada, tendo que acordar cedo no dia seguinte. Esse horário, fruto da falta de concorrência, contraria a natureza do jogo, que é puro conflito. Não existe escolha entre uma ou outra cobertura (ou um ou outro time de jornalistas). Tudo está sob as ordens da ditadura de comunicação e a percepção cansada acaba extinguindo a paixão pelo futebol. Tudo é feito de propósito: o dinheiro que entra pelo direito de arena (que só a Globo pode cacifar) dispensa a presença das pessoas nos estádios, que estão abandonados. Para que reformar os sanitários se o básico já está garantido?
REBARBA - O programa Terceiro Tempo, de Milton Neves, na Record, fez no último domingo uma boa matéria sobre o assunto, mas não tocou no ponto principal, que é o monopólio. O próprio programa é vítima dessa imposição, pois é obrigado a comentar jogos que só são transmitidos pela rede concorrente. O problema é que não há concorrência. Todas as televisões são ou parte ou coadjuvante da Globo. A própria Record, que pegou uma rebarba do campeonato brasileiro, só levantou a cabeça quando teve o privilégio de transmitir a Eurocopa, e deu um banho com a narração de Luciano do Valle, o número 1 (injustamente jogado no ostracismo, ele que inventou o bordão bem amigos da rede Globo, inspirado no meus amigos das crônicas de Nelson Rodrigues e surrupiado por Galvão Bueno). A mesmice mata o futebol. O objetivo é exatamente esse: destruir a estrutura profissional do nosso futebol para que o Brasil seja apenas um celeiro de craques para os clubes ricos do Exterior. Até a Turquia e o Azerbeijão (ou coisa parecida) levam nosso craques, que fogem da miséria. Houve um tempo em que Pelé nem precisou sair do Santos, todos nossos campeões abrilhantavam os estádios, que viviam cheios. O caso Amarildo, que defendeu a seleção de 62 com a baba bovina dos possessos, como disse o mestre Nelson Rodrigues, foi uma exceção. Ele foi comprado pelo Milan e com isso comprou seu passaporte para o repúdio do torcedor brasileiro, já que ele veio aqui defender o time italiano na derrota do campeonato inter-clubes, vencido pelo Santos. O que temos hoje são aqueles jogadores que, na visão primeiromundista, saíram da favela direto para a Europa, como se fossemos um não-país, onde tem só mato e pobreza. O sr. Cicarelli revelou-se no São Cristóvão e brilhou no Cruzeiro ainda muito menino antes de ir para fora. Mas a idéia errada é essa: nem estádio temos, o que temos são crianças famintas loucas para fugir daqui. Para onde Vossa Majestade vai? perguntavam para a rainha D. Maria I, de Portugal, quando fugia das tropas de Napoleão no início do século 19. Vou para o inferno, respondia ela, que acabou enlouquecendo nos trópicos. Essa imagem é a que colhemos, quando entregamos nossos talentos, que de tanta porcaria que engolem e tanto exercício físico sacana acabam engrossando o corpo, como aconteceu com o Roberto Carlos, irreconhecível com seu corpanzil e sotaque espanhol e o sr. Cicarelli, que parecia não conseguir movimentar-se antes de provar novamente que está acima de todos os outros jogadores fazendo gols inesquecíveis para a seleção. Kaká também: o garoto habilidoso saiu daqui para ser agora o mascote italiano, deformado pelos franskesteins de lá.
CORRUPÇÃO - É bom lembrar que o campeonato italiano está hoje suspeito de grossa corrupção. Então a roubalheira não é o motivo da nossa decadência. O motivo é o projeto político que nos transformou em curral da pirataria internacional. O Brasil soberano sempre surpreende, pois ainda possui times, e estádios, e torcedores e craques, que aos poucos também se transferem para times do lado de lá do oceano. Perder Alex, Adriano, Gustavo Nery, faz parte dessa tragédia em que se transformou o futebol pentacampeão do mundo. Que vence porque tem ainda um povo e produz não apenas jogadores de primeira, como treinadores de fina e competente estratégia, como Felipão, Luxemburgo e o grande professor Parreira. Mas o que nos cabe nas mãos é esse esforço sempre derrotado de times que tentam levantar a cabeça. Vejam o que aconteceu com o pequenino 15 de novembro, do Rio Grande do Sul, que precisou desfazer o time depois de quase empalmar a Copa do Brasil. As vitórias dos pequenos, como o São Caetano e o Santo André, não significa uma nova ordem do futebol, como quer Galvão Bueno (tão monopolista que colocou no seu site a narração de jogos memoráveis que ele não narrou), sugerindo com isso que o futebol brasileiro estaria mais democrático. É que os times tradicionais foram sucateados e transformados em tabula rasa por essa política criminosa. Os pequenos se destacam porque sempre houve futebol de qualidade em todos os cantos do Brasil e o sucateamento dos grandes deu espaço para eles se destacarem. O que existe é ditadura e destruição do patrimônio nacional. Por isso os estádios estão vazios.
FRONTEIRA - Somos uma nação de escravos. Ninguém reclama contra o monopólio da Globo, com raras exceções. Fico impressionado como o horário bandido é imposto até nos outros países da América do Sul. Lá estavam os peruanos esperando a Senhora do Destino ou o Fantástico acabar. O que é isso? Ninguém dá um chega para lá nesses ditadores, mesmo fora das nossas fronteiras? Tenho certeza que a Globo não quis a Eurocopa porque a Europa jamais se curva perante o Brasil e tem seus horários determinados por eles e não pela Globo. Futebol no meio da semana deveria ser às oito da noite, bem na hora do Jornal Nacional e da novela. Quando há jogo da seleção na quarta-feira, empurram dezenas de jogos (que nunca vemos) para a terça-feira, causando o maior transtorno aos torcedores, que nunca sabem o que está acontecendo. O resultado dessa falta completa de espírito público é a violência dentro e fora dos estádios, alimentando os programas especializados em sangue, que vivem conclamando a sociedade para a pena de morte e fazendo campanha contra a democracia. Colocam a culpa na democracia, como se democracia tivéssemos. Por isso foi tão bom participar da segunda edição da revista Fronteira, de Uruguaiana, que enfocou o tradicional e secular futebol da cidade. Uma edição enxuta, moderna e cheia de informações notáveis, levantando as raízes da introdução do jogo naquela região e belos textos dos repórteres Chico Alves, Marcos Lamberti e Ricardo Peró Job e artigos de Juarez Fonseca, Caco Belmonte, Ricardo Duarte e César Fanti, além de um poema de Luiz de Miranda. A equipe formada pelo secretário do município, Bebeto Alves, deu banho de bola e resgatou o gosto por esse jogo que nos encanta quando há de verdade conflito, paixão, arte, tradição e poesia.
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