Esta coluna aproveita o sábado de primavera para lançar sua primeira edição de Ciência e Tecnologia, destacando idéias que poderiam dar samba em chão de fábrica e que são consideradas malucas pelos que tomam conhecimentos delas. Destaque para a sinistra televisão descartável que zapeia sozinha e o fofíssimo Porta-Focinho.
REVOLTA – Antes de mais nada, não posso deixar de destacar a carta de repúdio publicada hoje na Folha de S. Paulo ao artiguete (que defini aqui como “diatribe extravagante” na coluna de 30 de setembro) do tal de Nelson Ascher (pronto, citei o cujo) contra esse grande intelectual que é Edward Said. A carta tem 152 assinaturas, entre elas as de Roberto Schwarz, Antonio Candido e Celso Furtado. A grande imprensa precisa repartir o espaço editorial com o maior número possível de intelectuais e não deixar que, impunemente, meia dúzia de eleitos deitem e rolem no jornal, publicando abobrinhas insuportáveis. Omitir é mentir e a meia dúzia que é dona de espaços gigantescos ajuda a enterrar vivos autores que possuem obra importante e tornada desconhecida por esse tipo de política suja. A direção da Folha precisa se penitenciar: em vez de encarar o fato como “democracia”, é melhor cair a ficha e reduzir o espaço de tanto pseudo-pensador, abrindo mais suas portas para os enterrados vivos, os que possuem obra importante e foram excluídos da mídia. Quem sabe desse jeito publicam alguma resenha sobre meu livro de poemas No Mar, Veremos, lançado em 2001 pela Editora Globo e apresentado pelo mais importante poeta vivo do Brasil, Mario Chamie? O que é preciso fazer para ter vez nesse espaço público que é a imprensa?
PIPA DIGITAL – Agora vamos às invenções, para cumprir minha promessa de não destilar tanta crítica (esforço quase sempre em vão). A TV descartável que zapeia sozinha é o pior dos pesadelos: ela liga e desliga quando quer, muda o canal (sempre procurando anúncios pré-programados) e impõe o tipo de coisa (isso mesmo, coisa) que você "precisa" ver. É um ibope invasivo, que conquista o telespectador pelo aparente custo zero e precisa ser substituída a toda hora, já que as campanhas publicitárias mudam. Não é terrível? Outro pesadelo é catraca em elevador: pedágio para subir ao terceiro andar. Mas nem tudo é horror. Vejam o caso do Porta-Focinho, uma invenção que grita para ser fabricada em série. Quem tem cachorro sabe: eles estão sempre procurando um lugar para descansar seus focinhos, fator permanente de desequilíbrio na hora da sesta (e como dormem!). Qual será o melhor material: tecido, plástico? E o enchimento? Espuma?
Para as crianças, imaginei a Pipa Digital: o eterno brinquedo agora manobrado pelo zap. Dizem que é inviável. Não sei, não. Acho que dá para fazer: não levantam helicópteros, muito mais pesados? O que custa levantar uma pipa com tecnologia digital? Teria que ser de baixo custo, para ser fabricada em massa, com todos os tipos de design e cores. Daria também para fazer com que um só zap manobrasse mais de uma pipa, inventando coreografias. O marketing iria adorar!
Há anos “invento” um jogo de aros, desses que se jogam em feiras, mas compacto. Ou seja, feito de aros plásticos que se encaixam e se diferenciam pelas cores, cada cor valendo determinado número de pontos (os maiores com menos pontos, claro). Vem dentro de uma caixa: você puxa o dito pelo centro dos aros encaixados, onde sobressai uma pequena bola de plástico. O jogo vira um cone, com os aros em volta. Você tira os aros e deixa o cone a certa distância (que pode ser definida no manual). E aí joga para ver se encaixa. A seqüência deve ser obrigatória, de maior a menor, até o último aro, que vale mais. Não é bom?
ELÉTRONS A ESMO – Minha desconfiança com os parâmetros da ciência e tecnologia ganhou status acadêmico quando li em Thomas Kuhn que o motor das revoluções científicas não é o racionalismo, mas o obscurantismo. Ele explica: quando uma teoria não responde mais às perguntas importantes, uma parte da comunidade científica dedica-se ao problema. De repente, num sonho ou num insight supremo, um desses pesquisadores tem uma idéia genial, que ajuda a resolver o impasse. Só que o resto da comunidade já fez carreira com a velha teoria e a novidade leva décadas e até mesmo um século, como aconteceu com Newton , para ser aceita e se consolidar. Então a ciência avança não porque os luminares se convençam, mas porque morrem! Só uma nova geração é capaz de assumir integralmente os novos parâmetros. É por isso que numa certa manhã, há muito tempo, quando abria mal-humorado o portão para começar meu dia, e meu vizinho reclamou do fícus que tomava conta da minha casa dizendo “isso aí, seu Nei, atrai os elétrons!”, respondi muito prontamente para esse vizinho que é muito católico (como eu):
- Pois o senhor saiba que eu acredito em Deus, mas não acredito no átomo.
Até hoje não sei o que ele quis dizer com atração de elétrons pelo ficus. Esse negócio de partículas girando em redor do núcleo como se fossem planetas nunca me convenceu. Mas cada um com seu cada qual. Não acredito também no big-bang (agora está caindo a ficha de todo mundo), nem no magma (que história é essa que o centro da terra é uma lava derretida?) nem nas placas tectônicas (os continentes deslizando na superfície do magma, quá, quá, quá). Contem outra.
Perfil – Samuel Wainer
Pequena contribuição para lembrar o jornalista que mudou a imprensa com sua Última Hora. Chamado de Profeta por Getúlio Vargas (sua manchete “Ele voltará” fez História), Samuel ganhou uma biografia com texto final primoroso de Augusto Nunes. Ler Augusto Nunes basta. Mas, para os amigos, coloco um pouquinho das minhas lembranças.
- Você é editor? perguntou Samuel na lata, antes de me cumprimentar. Porque eu estou precisando é de um editor.
Eu ainda era redator, mas menti que sim. Tinha vindo da extinta TV Guia, da Abril e quem me indicou foi o Woile Guimarães. O jornal era o semanário Aqui São Paulo, onde Samuel insistia nos velhos jargões do jornalismo depois de brigar com uma redação cheia de grandes jornalistas como Sergio de Souza, Hamilton Almeida Filho e Myltainho (o texto total). Colocava manchetes com o General Inflação, para lembrar do velho General Inverno da Segunda Guerra, lugar comum que tinha sido enterrado pelo Paulo Francis no Pasquim.
Foi a única pessoa que me levou para o noticiário policial. Fiz duas matérias de polícia enquanto fechava o jornal e montava uma equipe para Samuel.
Ele tinha olho de cobra. Ficava na boca da máquina, pegava o primeiro exemplar, folheava e arrepiava-se com os erros:
- Meu Deus, que cagada, dizia a cada página do tablóide.
Samuel parecia ter 80 anos aos 60 e poucos (era final dos anos 70). Grandes sobrancelhas brancas, voz muito rouca pelo cigarro, chegou até a me dar uma coluna sobre “jovens” (eu acreditava nessas coisas na época), mas desisti. Samuel lamentava ter perdido seu império jornalístico. Dizia ter sido o cassado número 1 do país. Perguntava sobre a Zero Hora, que surgiu do espólio da Última Hora, fechada pelo regime da ditadura civil/militar.
- Eles fizeram um império com o jornal, não é? dizia Samuel, profundamente magoado. Deus levou-o com as costas cravadas de lutas memoráveis, que devem ser conhecidas por todos os jornalistas. Leiam Augusto Nunes.
RETORNO – O conselheiro do Diário da Fonte, Moacir Japiassu, impressiona-se que eu tenha visto sua entrevista na TV Assembléia. É que sou o rei do zap, Japi, e procuro pepitas enterradas no gigantesco monturo da programação.
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