2 de outubro de 2003

O DIA DE ATRAVESSAR A RUA


Chega o momento em que a grande imprensa fecha as portas e você se vê numa assessoria em frente a um telefone, pronto para jogar pelo fio toda a sua biografia. Ninguém mais se importa em cruzar esse umbral, mas para aqueles que ainda enxergam a revolução como um retrato doendo na parede, fica difícil entender que o outro lado reserva surpresas, às vezes gratificantes.

BORDÕES – Minha saída das redações consideradas “normais” (jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão de empresas de comunicação) coincidiu com o encontro de um amigo novo, autor de formidáveis bordões e um dos que me deram a oportunidade de criar veículos de informação no universo do jornalismo focado nas empresas. Publisher e diretor da revista Sala do Empresário, Dorival Jesus Augusto é um crítico do imobilismo da vida brasileira e um apaixonado pelas atividades criadoras, pela negação do ócio. Inspira-se no acervo acumulado empiricamente dentro das empresas e cria (ou reproduz criativamente) verdadeiras jóias da cultura brasileira. Uma delas é “despesas não tiram férias”, uma crítica à quantidade de hiatos na vida produtiva, como o prolongado verão, os seguidos feriadões e o adiamento das decisões para depois do Carnaval. Diante das dificuldades de liquidez que assola o País há décadas, ele tem outra frase da sua antologia: “Você já ganhou, só falta marcar a data”. Significa que o pagamento vem, pode demorar, mas o importante é que você já merece a remuneração. Com suas idéias, Dorival poderia ser um grande gerador de atividades jornalísticas se vivesse num ambiente mais propício para os negócios. Mas ele nasceu no Brasil e está em missão cívica. Assim mesmo, com as limitações que se interpõem em seu caminho, ele consegue milagres. E se o jornalismo costuma parar, problema do jornalismo. Dorival continua tocando sua dinâmica e bem sucedida Hífen, um modelo de gestão em época de crise. Voltarei às suas frases nas próximas edições.

CRIAR VEÍCULOS - Nas empresas não especializadas em comunicação, você tem a oportunidade de gerar veículos com grande liberdade de criação, às vezes até mais do que na vitrina de vaidades, a grande imprensa. Há um diferencial importante, que é o convívio direto com outras profissões (o que não acontece nas redações normais), como engenheiros, consultores, administradores etc. O bom senso e a seriedade existente nesses ramos profissionais ajudam a disciplinar sua natural tendência ao caos. Isso pode ser adaptado criativamente, especialmente quando se trata de trabalhar a informação. Num departamento de comunicação ou numa assessoria de imprensa, você pode aproveitar para mergulhar em assuntos candentes sem a pressão da superficialidade diária da cata de notícias. Essa informação aprofundada, abordada eticamente, pode ser repassada para os jornalistas como insumo valioso de coberturas. Nisso se inclui a coleta de dados que sobram em alguns eventos, por exemplo. Um evento é síntese de linguagens e painel de informações e quase sempre é tratado de maneira superficial, focado na grande personalidade presente ou em alguma frase bombástica que dê manchete (muitas vezes, a manchete é acertada previamente entre jornalistas de veículos concorrentes). Uma assessoria ou um veículo empresarial pode e deve tratar com mais profundidade esse tipo de acontecimento.

PISAR EM INFORMAÇÃO – Essa é uma imagem que um jornalista me passou e que acho super pertinente. Tem gente que pisa em informação sem se dar conta. Um profissional de imprensa atento desencava informação guardada (por preguiça ou excesso de cautela) nas gavetas e a trata de maneira eficiente, arrancando exclamações de espanto pelo que consegue fazer. Há também na comunicação empresarial um trabalho que equivale ao departamento de editorialistas de um jornal, que é o da confecção de textos institucionais. Todo discurso ou artigo assinado por alguém representativo é ético, portanto é no universo da ética que um jornalista especializado em texto final de qualidade pode desenvolver diversos temas. Claro que existem pressões para escrever o que você não acredita. Mas isso existe em qualquer lugar. Muitas vezes, numa redação considerada combativa, a censura em nome da liberdade é mais violenta do que a censura em nome da obscuridade. Ambas têm o mesmo efeito: fazem você lamentar não ter escutado seu pai e sua mãe e feito um bom e velho concurso público.

RETORNO – Como todos são meus amigos, os membros do Conselho Editorial do Diário da Fonte festejaram de maneira generosa o convite que fiz aqui para eles. “Tou nessa, tou nessa. Não vai haver outro conselho em que achem que meu conselho presta” disse Wagner Carelli. ”Teu convite me fez lembrar Barthes em sua famosa aula no Collège de France. É mais uma alegria que uma honra pois a honra pode ser imerecida, a alegria não”, disse Zélia Leal Adghirni. “Agradeço a honra de integrar tão nobre galeria”, disse Francisco Karam. “Aceito sem restrições, consideradíssimo amigo; disponha deste sertanejo já velho, porém ainda pleno de projetos e certos devaneios”, disse Moacir Japiassu. Todos foram advertidos que não poderiam contrariar o delírio de um inconformado.

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