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12 de outubro de 2003
A INVENÇÃO DA REALIDADE
A mídia não divulga fatos, impõe percepções coletivas. A mentira exaustivamente repetida, que torna-se realidade, não limita-se ao que os interesses ditam, mas ao que os jornalistas acham que entendem. O que vai para baixo do tapete é o que interessa aqui, neste espaço da imaginação, que propõe o resgate do Brasil que foi para o lixo, em substituição ao Brasil que não nos serve e nos é colocado à força goela abaixo toda hora, todos os dias. Desse País do mal, abrimos mão.
WEBER - No livro “A ´objetividade` do conhecimento nas ciências sociais” (Editora Ática, 1991), organizado por Gabriel Cohn , Max Weber aborda a construção da realidade por meio do conceito do Tipo Ideal, que seria uma síntese a que se costuma dar o nome de “idéias” dos fenômenos históricos, um quadro ideal dos eventos. Melhor ainda: um quadro de pensamento que reúne determinadas relações e acontecimentos da vida histórica para formar um cosmos não contraditório de relações pensadas. Essa construção, diz Weber, reveste-se do caráter de uma utopia, obtida mediante a acentuação mental de determinados elementos da realidade.
A relação do Tipo Ideal com os fatos empíricos consiste no seguinte: “Onde quer que se comprove ou suspeite de que determinadas relações chegaram a atuar em algum grau sobre a realidade, podemos representar e tornar compreensível pragmaticamente a natureza particular dessas relações mediante um tipo ideal. Isso serve tanto para a investigação quanto para a exposição.” Como se constrói um tipo ideal? Weber explica: “Obtém-se um tipo ideal mediante a acentuação unilateral de um ou vários pontos de vista e mediante o encadeamento de grande quantidade de fenômenos isoladamente dados, difusos e discretos."
Esses dados, continua Weber, podem acontecer em maior ou menor número ou mesmo faltar por completo: "Eles se ordenam segundo os pontos de vista unilateralemente acentuados, a fim de se formar um quadro homogêneo de pensamento. Trata-se de um utopia, onde torna-se impossível encontrar empiricamente na realidade esse quadro na sua pureza conceitual". O que faz um historiador? “A atividade historiográfica determina em cada caso particular a proximidade ou afastamento entre a realidade e o quadro ideal. Desde que cuidadosamente aplicado, o conceito escolhido cumpre as funções específicas que dele se esperam em benefício da investigação e da representação.” Muito complicado? Nada, baba de anjo. Os clássicos são cristalinos. Quem complica são os pseudos. Você se inspira na realidade para construir uma utopia. Sabe que é uma utopia, mas sabe também que ela serve para entender melhor a realidade abordada. Digo aqui, pegando carona não autorizada no mestre: não só para entender, mas para intervir.
O BRASIL IDEAL – Para dizer o que pretendo, escudado agora pelo grande Weber (sempre tem um alemão pensando em tudo), reproduzo mais um pouco do livro: “A construção de tipos ideais abstratos não interessa como fim, mas única e exclusivamente como meio do conhecimento. A clareza de uma exposição não é prejudicada pelo caráter impreciso dos conteúdos, basta uma vaga concepção ou a presença difusa de uma especificação particular do conteúdo conceitual.” Pois vamos resgatar uma utopia, o tipo ideal do Brasil que queremos, mesmo que ela seja difusa.
Como o Cinema Novo, como diz Nelson Pereira dos Santos, era quando Glauber Rocha desembarcava da Bahia no Rio de Janeiro, digo que o Brasil que queremos é aquele apresentado pela série de programas do Roberto Dávila. O último foi com Fernando Sabino, que falou, entre outras preciosidades, sobre o dia em que Vinícius de Moraes dançou com Ava Gardner (tínhamos latin lovers brasileiros naquele tempo). Davila já entrevistou uma série de brasileiros fundamentais, como Paulo José, Carlinhos Lyra, Domingos de Oliveira, entre tantos outros, que a mídia não enfoca, ou divulga menos do que o necessário, pois está a serviço da ditadura e vive transmitindo a trilha sonora da repressão, que é a música pseudo-mexicana e metida a sertaneja dos Zezés di Camargos e Lucianos da vida (que representam um povo que grita desesperado no cárcere). Roberto Dávila é o Brasileiro Gentil, dono da maior empatia da produção audiovisual do Brasil.
FOTOS - O Brasil Ideal (idealizado como resgate do País que perdemos e como projeção para o futuro imediato, longe da sinistro pesadelo que nos empurraram, e não como coisa inalcançável) é também quando Marcelo Min (e centenas de outros fotógrafos maravilhosos, cada um melhor do que o outro) corre para fotografar a periferia, o rio São Francisco, o interior da Bahia. É quando decidimos fazer História (como Min diz no seu brilhante Fotogarrafa, o blog dos blogs, pai deste aqui) assumindo a liberdade. Chega de prisão, abaixo a ditadura.
Por que, por exemplo, a AllTV, no lugar de colocar seus apresentadores falando o tempo todo, não faz uma exposição permanente de vídeos criativos, de fotos que estão dando sopa na Internet, de autores que lutam por um espaço? Cito a AllTV porque acho um desperdício tanta falação e tão pouca imagem fora da conversa permanente (não entro no mérito dos debates). Não falem de custos: é custo zero divulgar o trabalho de tanta gente boa, especialmente da nova geração, essa geração que a ditadura joga no lixo, mas que esperneia, grita e abre seu caminho. Como dizia Oswald de Andrade: “O gênio é uma grande besteira. Viva a rapaziada!”
RETORNO - 1. Imagem desta edição: Max Weber em 1917. 2. O poeta Soares Feitosa, de Fortaleza, nos brinda, no seu espaço magnífico de inclusão poética, o Jornal de Poesia, com textos suculentos no endereço http://www.secrel.com.br/jpoesia/francisco201.html. Soares Feitosa é instaurador de utopias e graças ao seu empenho e talento, conseguiu revelar para o mundo milhares de poetas que estavam escondidos ou eram apenas emergentes. Posso dizer também que o Brasil Ideal é quando Soares Feitosa exerce seu ofício de inventor cultural. Pois cultura é o que os outros produzem para nos tornar melhor do que somos. Insistam no http://www.secrel.com.br
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