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8 de outubro de 2003
TELEVISÃO O TEMPO TODO
Assim como o Google é a universidade do pobre, a televisão é um banho diário de cultura audiovisual. Internet e TV desempenham hoje um papel anti-isolacionista que serve para lambuzar o cidadão com dados nunca dantes navegados e, pela importância, são alvos da mais cerrada blitz do conservadorismo. Ficar atento à destruição do caráter democrático desses veículos faz parte da luta pela emancipação humana.
CANAL 21 - Essa rede tem acertado numa programação viável, mas peca por alguns erros primários. Primeiro, apresentar o genérico da testosterona, o execrável Antônio Banderas, a cada cinco minutos chupando uma pobre criatura, além de ser de um mau gosto atroz, revela o pouco caso dedicado ao telespectador. Não é preciso lembrar a toda hora que a emissora é “de qualidade” e por isso exibe o atorzinho em exercício de sugação. Segundo, colocar o finado Casal 20 em horário nobre, durante uma hora, das 20 às 21, e deixar o Larry King com legendas para alta madrugada, é simplesmente jogar dinheiro fora. Larry King é bamba em jornalismo e poderia peitar tranqüilamente o Jornal Nacional, sempre às voltas com os mesmos temas, como se a realidade fosse uma suíte permanente dos interesses da emissora, intercalados pelas terríveis “materinhas humanas”, praga que se alastrou na mídia junto com a proliferação de ONGs – uma síndrome que eu chamo, sem entrar no mérito de nada nem de ninguém, de “preservar tartarugas e ensinar capoeira”. Outro erro do Canal 21 é repetir no seu noticiário as mesmas coisas já exaustivamente exploradas pelo Boris Casoy, o Jornal da Band e o JN. Horário alternativo de noticias, em emissora alternativa, tem de apostar, não numa pose de credibilidade, mas na ousadia total. É só investir no inusual, no oculto e parar com essa história de falar sempre no início do noticiário que o jornal “está começando”. Por que dizem sempre isso? É lei? E por que cumprimentam o telespectador (isso todos fazem) depois de dizer as manchetes? Então você primeiro fala com o cidadão e depois dá boa noite? Outra coisa que o 21 deveria fazer é investir mais em cinema. Ontem passou O Destino do Poseidon. Até quando, meu Deus? Por que não fazem um Festival Sundance Film, evento que há décadas revela cineastas do mundo todo?
PROVOCAÇÕES – Ontem, o melhor programa da televisão brasileira, Provocações, do Antônio Abujamara, foi ao ar pela TVE, do Rio, com uma entrevista com o Miguel Arraes. O ex-governador de Pernambuco disse coisas decisivas. Primeiro, de que o PT nunca deu a atenção devida à História, como se a política prescindisse desse dado. Arraes é da opinião que devemos achar nosso caminho a partir das lições da História, uma coisa que está esquecida, com as conseqüências visíveis, onde vivemos presos num eterno presente fantasmagórico. Também é da opinião de que o golpe de 1964 no Brasil (que, para mim, foi dado para acabar com as conquistas da revolução de 30) foi preventivo, pois os Estados Unidos precisavam garantir uma América Latina em estado de arrocho político, sem ebulição, para que pudessem abrir uma frente de guerra com o Vietnã. A redemocratização no Brasil, disse Arraes, coincide com o período posterior ao fim da guerra vietnamita. Os americanos se deram conta, segundo Arraes, que à força não poderiam subjugar os povos, pois levaram uma surra no Vietnã. Decidiram então apostar na mídia como o caminho mais eficiente de manter as nações subjugadas. Até quando essa dominação por esse meio vai durar, não se sabe, disse Arraes. Mas pela política atual dos Estados Unidos, vê-se que esse barco está fazendo água e a pressão vai aumentar.
CONCENTRAÇÃO - A Internet nasceu na Guerra Fria sem centro, para evitar que um ataque nuclear acabasse com o sistema de uma só vez. Como não tem centro até hoje, virou uma mídia democrática, a mídia das mídias. A atual tendência é vilanizá-la: a toda hora, no noticiário televisivo, a Internet engravidou alguém, é culpada de algum crime. Se uma garota foge com o mariner, a culpa, claro, é da Internet e de mais ninguém. A Microsoft proibiu seus chats porque era um flanco aberto para o assédio. A rede de prostituição, com menores inclusive, em todo mundo, nem é motivo de preocupação. Isso existe a céu aberto. Outra evidência é colocar toda informação da Internet debaixo de algum endereço poderoso, que serve como guarda-chuva, onde toda informação deverá ficar abrigada (uma rede “confiável”?) Não existem mais links na televisão? Isso é gravíssimo. Para terminar a coluna de hoje: ontem, também pela TVE, vi uma longa entrevista com o Geraldo Carneiro, importante poeta do Rio de Janeiro. Mais poesia na TV é a nossa reivindicação. Sorte que Abujamara sempre nos brinda, no seu Provocações, com um longo e maravilhoso poema.
RETORNO - Miguel Duclós (que mantém há anos o site www.consciencia.org) me apresenta um texto de Robert Stam sobre o filme de Glauber, Terra em Transe, publicado numa antiga revista filosófica Discurso, e fico impressionado. Vou para o Google e descubro maravilhas no site do Estadão: “Bob Stam tem dois de seus livros editados no Brasil -- O Espetáculo Interrompido – Literatura e Cinema de Desmistificação (Paz e Terra/81), e Bakhtin: Da Teoria à Cultura de Massa (Ática/85). Neste ano, mais quatro novos livros de sua autoria estão sendo lançados em língua portuguesa. A Papiros edita Introdução à Teoria Cinematográfica. Depois será a vez de Crítica do Eurocentrismo, que sairá pela Cosac & Naify. A Edusp estuda a publicação de Multiculturalismo Tropical – O Negro no Cinema Brasileiro e a Editora da UFMG avalia A Literatura através do Cinema – Realismo, Magia e Arte da Adaptação. Apaixonado pelo cinema brasileiro (em especial por Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade, e Terra em Transe, de Glauber Rocha), Bob conquistou respeito acadêmico pela consistência e ousadia de seus estudos sobre literatura e cinema. Além de D. Quixote, de Cervantes, o pesquisador norte-americano mergulhou na obra literária, teatral ou cinematográfica de Rabelais, Sterne, Fielding, Brecht, Jarry, Godard, Glauber e Ruy Guerra.”
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