Nei Duclós
Escrevo
sobre autores e livros desde minha estreia como colaborador da Veja em 1976,
quando abordei Maíra, de Darcy Ribeiro. Alguns ensaios viraram prefácios. Mas
fiz vários a pedido, sob encomenda das editoras e também de poetas e
romancistas. Aqui, um breve apanhado de alguns desses textos, que estão
reunidos no meu ebook AS RUÍNAS DO DISCURSO. Faço este post para lembrar que
continuo na ativa e tenho atendido aos pedidos produzindo, claro, com uma
remuneração negociada, mínima. `Escrevo por gosto e por ofício.
PRÓXIMO
DEMAIS DA LUZ
Elogio
da Sombra, de Jorge Luis Borges (Globo)
Iluminado
pelas leituras de toda uma vida, Jorge Luis Borges descobre o essencial quando
finalmente é empurrado para a sombra. A cegueira, dura presença aos 70 anos de idade,
o deixa só diante da fonte que alimenta os clássicos - sua paixão explícita,
uma rede tecida desde Virgílio a Kipling.
A
ÉTICA DA SOLIDÃO
Cartas
a um Jovem Poeta, de Rainer Maria Rilke. (Globo)
Ao
buscar o humano desprovido de disfarces, Rainer Maria Rilke encontrou a
grandeza. Em “Cartas a um jovem poeta" ele relata essa dolorosa passagem
em direção à essência, que implica arrancar a fantasia cotidiana grudada à
carne. O sangue decorrente dessa decisão não significa apenas recolher-se à solidão
seminal da criação. Mas de abrir mão da moeda mais cobiçada, o reconhecimento,
de cruzar o pior dos umbrais - a indiferença - e encontrar o mais amedrontador
dos mundos, aquele onde habita a necessidade absoluta e a permanência.
TALHO
CERTEIRO
Contos
gauchescos e lendas do sul, de João Simôes Lopes Neto (Globo)
O
gaúcho brotou da guerra e encontrou sua melhor morada na literatura de João
Simões Lopes Neto (1865-1916). Nesse refúgio de refinado acabamento, ocupa um
lugar na vanguarda – aquele pedaço da tropa que prova a luta antes dos outros,
por destino, missão e gosto. O som destes contos e lendas é de chispa de facão
– seja no embate em campo aberto, nas brigas pessoais ou nas refregas de amor.
É também o som do surdo tremor provocado pela assombração na hora da Ave-Maria,
quando o Boitatá e as velas para o Negrinho do Pastoreio iluminam a boca da
noite.
DEVASSA
TRANSFIGURADA
Conversas
Com Emily Dickinson E Outros Poemas”, de Marcelo Ariel,(Orpheu)
Fantasma
é o poeta que interfere no sono dos mortos e descobre a linguagem vagando,
fugindo de um pouso. Marcelo Ariel não faz a tradicional interlocução com suas
influências, antes as transforma em dramaturgia siderada. Ele prefere virar de
pernas para o ar o que parecem ser leituras, o que deveriam ser vivências, mas
são apenas fragmentos de um fluxo que poema captura, levando-os a significados
fora do eixo da chamada cultura.
INSURGÊNCIA
DO GÊNERO CONFINADO
Notícias
da guerra e o destino de Laura, de Vera Ione Silva (Bestiário)
Laura
Maffioletti Campos, a narradora da novela de Vera Molina, está confinada de
todas as formas. Primeiro, pela situação familiar, dominada por um patriarca.
Segundo, pela situação social, já que faz parte da classe dos proprietários
rurais da fronteira gaúcha. Terceiro, pela guerra, que coloca sua casa sob a
guarda armada por ser um foco de peste bubônica. E quarto, e não menos
importante, por ser mulher, confinada na maternidade, na vida doméstica, na
dependência do pai e do marido.
GUERRA
E MEMÓRIA
Apresentação
de General Osório e seu tempo, de José Antonio Severa (Expressão)
Que
lugar ocupa a guerra na história do Brasil? “Osorio e seu tempo” é uma resposta
a essa pergunta e uma pá de cal no equívoco de que o país seria fruto apenas de
artimanhas e escapatórias, de espertezas políticas e diplomáticas e não da
vontade expressa no campo de batalha. Trata-se do levantamento minucioso do
envolvimento da nação brasileira numa luta de vida ou morte, ao longo de um
período em que se definiu primeiro como Reino Unido, depois como Império e
finalmente como República. Os protagonistasdesse embate deixaram marcas
profundas na terra e no imaginário da população em armas. O registro dessa
trama complexa está confinado à memória oral, aos raros especialistas e aos
curiosos que não se conformam com o cerco de silêncio sobre um tema básico para
a formação do país.
O PERIGO DA PALAVRA
Tesouro secundário, de Celso Gutfreind (Artes & Ecos)
Transparência ilude. Começa devassada, mas ganha
consistência, como neste livro que se desdobra em espiral de dupla hélice:
enquanto levanta voo em direção ao desfecho, mergulha em muitos inícios, os
capítulos. A arquitetura desta obra literária define um lugar, em que morar
nele ou ficar só de passagem pode confundir estranheza com desconforto.
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