30 de setembro de 2017

JÁ ESTIVE AQUI



Nei Duclós

Já estive aqui, pelo que me dizem
as pedras do rio e a maresia
Armei a tenda na planície
conforme o testemunho dos antigos

Depois me fui, como um saltimbanco
Esqueci o tempo que retive
Cultivei as mãos, arranquei trilhos
e me perdi em negócios e neblina

Trabalho agora no campo, faço colheita
E leio nos dias de descanso

Perdi a memória, e a procurei cantando


PROFISSÃO



Nei Duclós

A guerra não acaba, recomeça
Não há sobreviventes

O conflito é a nossa obra
A paz é provisória
Dura apenas o tempo da vitória
Flor que no pântano submerge

A dor, se esquece
Só o amor, em vão, relembra
A derrota é uma profissão
Que a coragem - o coração - enterra


ALBENEIR: LIÇÕES DE UM CRAQUE



Nei Duclós


Quem sabe, ensina. O craque Albeneir Marques Pereira desenvolveu seu talento nos campos de futebol da várzea e dos grandes estádios, aprendeu o ofício como poucos e na aposentadoria já deu aulas de futebol para a meninada. A formação das novas gerações por meio dos estudos e dos esportes cria chances de uma vida saudável para o futuro e Albeneir faz parte desse cenário.

Agora, onde a vida moderna dificulta o futebol de várzea como celeiro formador de craques, é mais do que nunca necessário que a experiência de craques como Albeneir seja repassada adiante por todas as entidades e profissionais envolvidos com o futebol, onde o ensino escolar acompanhe o aprendizado de nosso esporte nacional.

Albeneir é um dos orientadores que desenvolve trabalho social, conhece a profissão como poucos e gosta de estar em contato com as pessoas que precisam de apoio para superar as dificuldades que enfrentam na vida. Principalmente os jovens, sedentos de bons exemplos e com talento para se tornarem grandes jogadores.

Futebol faz parte da formação cultural da sociedade brasileira e tem acompanhado o desenvolvimento de Santa Catarina, não só por trazer divisas ao estado, como por ser parte importante da nossa história, motivando a todos e contribuindo sempre com novos talentos.

Trata-se de um polo de atração para quem quiser aprender para a vida. A coleção Eternos Craques, de Polidoro Junior, que é inaugurada em seu primeiro fascículo com a trajetória de Albeneir, O OPERÁRIO DA BOLA, se insere nessa linhagem a favor da formação das novas gerações a partir da experiência de quem veio antes. O poder público e a iniciativa privada, unidos, podem fazer muito para implementar uma política de fôlego que beneficie os talentos e ocupe as mentes de quem chega para viver e vencer.

Participei, como editor de texto, pela quarta vez de um livro sobre esportes dirigido pelo autor Polidoro Junior, e fazendo parte da equipe que tem como ponta de lança nosso Luiz Acacio de Souza, diretor de arte, produtor gráfico e incentivador de bons projetos, e o apoio fundamental na pesquisa de Ida Lobato Duclós. Foi importante o depoimento detalhado do craque, dono de memória privilegiada, para que chegássemos a um bom resultado.

28 de setembro de 2017

SÉPIA



Nei Duclós

Ficar a cavaleiro de uma época
como um improvável deus
a distribuir justiça
Pinçar pepitas de verossimilhanças
como se fossem fatos
e condenar o passado
a uma anacrônica galeria em sépia
como se a cor e o movimento da autoria
fossem exclusivos dessa espécie de juiz togado
Para enfim pontificar sobre o próprio estro
bem remunerado

Eis uma tragédia do nosso tempo
Sufoco do talento, ostracismo das obras
que rolam à margem da auto estrada
Num cenário de exemplos de outrora
assassinados
para que os criminosos
roubem o tesouro, a História


27 de setembro de 2017

MELHOR ESQUECER



Nei Duclós 

Melhor esquecer o que o poema
lembra fora de si mesmo
Sua identidade letra por letra
não se refere a nenhum
evento. Mesmo que digam amor
ou qualquer outra coisa
Ele é feito de palavra, partícula
e onda. Dupla natureza
que se completa num sentido
pleno.

Não busque o que o poema
não oferece. A paz de espírito
ou a desavença. A memória
conjugação do tempo
O poema se esclarece
ao ser o próprio espaço
Ao sair dele, fica indefeso
depende de ti, leitor desatento
que procura longe
o que ele tem de íntimo

Encontre o poema sem o cânone
algoz do caminhante
livre de toda interferência
Escolas de estilo, reminiscências
mastigações eternas, mofo
sem surpresa. Escute o tambor
tocado como um violino
as estrelas no sol a pino
o coração meio bamba
sem reflexo no espelho


CAÇADA HUMANA: HIGH NOON NO SÁBADO À NOITE




Nei Duclós 

Caçada humana (The Chase,de Arthur Penn, 1966) é o avesso de Matar ou Morrer (High Noon, de Fred Zinemann, 1952), O xerife de Zinemann (Gary Cooper) precisa proteger a cidade do criminoso que está chegando de trem e desce na estação onde encontra seus comparsas ao meio dia. O  xerife de Penn (Marlon Brando) faz o contrário: precisa proteger o criminoso (Robert Redford), que chega clandestino de trem e se atira do vagão em movimento de uma ponte sobre o rio,  e que está sendo caçado pelo resto da cidade, entregue a uma orgia coletiva numa noite de sábado.


O criminoso de Zinemann é culpado mas cumpriu pena e saiu da cadeia para acertar contas com o xerife. O criminoso de Penn é inocente da acusação de assassinato e ao fugir foi forçado pelas circunstâncias a reencontrar a mulher (Jane Fonda), envolvida com um amigo de infância de ambos (James Fox). A mulher do xerife de Matar ou Morrer resolve deixá-lo mas se arrepende e volta para salvá-lo das mãos do criminoso. A mulher doo xerife de Caçada Humana (Angie Dickinson) fica ao seu lado e tenta tirá-lo do perigo, em vão. Os casais dos dois filmes acabam abandonando o cenário vazio da cidade no desfecho da tragédia.

Gary Cooper vence sozinho a gang, com a omissão de todos os cidadãos. Marlon Brando não pode com a cidade toda contra ele. Não consegue proteger o acusado e leva uma surra memorável e acaba perdendo a parada para os cidadãos armados e cheios de ódio e álcool. Penn quis refilmar a história de Zinnemann não mais nos termos do heroísmo dos anos 50, mas na desconstrução cultural dos anos 60. Era preciso mostrar a criminalidade das chamadas pessoas normais e o quanto um criminoso, mesmo assumindo sua vocação e destino, é também fruto de uma educação precária , da falta de sorte e da violência que amarga na prisão.

Gary Cooper é vitorioso mas retira-se abalado depois de jogar a estrela de xerife na poeira da rua e se retirar com a mulher (Grace Kelly) para longe. De cara inchada de tanto apanhar, Marlon Brando abandona a cidade onde conseguiu o cargo graças ao chefão local e alimentava a ilusão da fuga para um lugar tranquilo. Vai embora, assim como se retira lentamente de cena no final Jane Fonda depois de saber que seu namorado morrera nos incidentes da véspera, a noite de loucuras num ferro velho que foi incendiado pelos festeiros assassinos.

Não bastasse o elenco memorável de Caçada Humana, sem dúvida a obra prima de Arthur Penn, tem ainda Robert Duvall no papel de um marido traído, tímido, covarde, que ri como um psicopata quando faz uma revelação importante. É muita coisa para um filme só, disponível no Netflix. Um filme que vira do avesso um clássico lançado uma década e meia antes. Porque segue à risca a máxima de que todo filme é sobre cinema.