Nei Duclós
Revi no mesmo dia pela bilionésima vez os finais de dois
faroestes clássicos dirigidos por John Sturges (1910- 1992): Gunfight at ok
Corral (1957) e Last Train from Gun Hill (1959). Sturges começou fazendo
documentários para as Forças Armadas Americanas e soma outros clássicos como
Bad Day at Black Rock (1955), The Magnificent Seven (1960) e The Great Escape
(1963). O que há em comum em seus filmes, além de atores antológicos (Burt
Lancaster, Kirk Douglas, Anthony Quinn, Steve McQuenn, Spencer Tracy) roteiros
primorosos e produção impecável? Notei que ele trata em seus filmes da mais
amedrontadora das situações humanas, a ética diante de uma situação limite.
Para isso ele precisa de intérpretes de verdade, monumentos
cinematográficos, que deixaram um legado impecável e insuperável. O fato é que
Kirk Douglas interpretando Doc Holliday está verdadeiramente tuberculoso. Não
há dúvidas sobre isso. Sua tosse é mais do que convincente, é legítima. O
sujeito está em estado terminal e ninguém aposta que ele vai ficarão lado de
Burt Lancaster no duelo final. Mas ele fica.
Outro fato é que Kirk, em outra história, é aquele xerife
que perdeu a mulher índia para estupradores jovens, filhos de fazendeiros. Não
que ele finja bem, ele simplesmente é o cara. Sua determinação alimenta-se da
raiva e do sangue frio. Sua autoconfiança derrota todos os maus elementos que o
cercam. Sua rapidez no gatilho é o resultado natural de uma vida dedicada à
justiça e que se deixa levar pelas paixões quando persegue os matadores da sua
mulher. Ele precisa fazer cumprir a lei, mas não tem condições, não tem
espingarda (que pede emprestado à cantora do saloon), mas nada o impedirá de
pegar o último trem para entregar o assassino ao juiz.
Como seu prisioneiro morre na refrega, ele é obrigado a
enfrentar seu ex-melhor amigo no duelo. É quando Anthony Quinn, ao levar um
balaço vira a cara para a câmara olhando para o nada antes de cair. Momento
supremo do drama na Sétima Arte: o poderoso que perde tudo e mergulha no abismo
com seu não olhar. Não se faz mais esse tipo de monstro nas telas de cinema.
Igualmente Burt Lancaster como Whyte Earp aceita as
condições da luta imposta pelos assassinos e para isso implora ajuda do melhor
amigo., que está morrendo tuberculoso. Burt/Whyte está dividido entre o
enfrentamento e a desistência, sugerida por todo o entorno, principalmente a
família. Mas ele tem mais do que orgulho próprio, ele tem a ética diante de uma
situação limite, fonte da coragem. Ter brio pra enfrentar a morte não é uma
brincadeira de faroeste. Aliás nem importa o gênero de filme. O que vale é essa
postura das personas em cena, esse modelo de coragem que vem da consciência, do
sentido de missão e do desapego às mesquinharias da vida.
Em Bad Day at Black Rock , o maneta Spencer Tracy enfrenta
toda uma cidade em conspiração de silêncio e preciso cumprir sua tarefa mesmo
que isso não lhe dê chance nenhuma de sobrevivência. Ele tem a frieza da honra,
o carisma do caráter, o desprendimento da coragem. É disso que trata John
Sturges, o cineasta que nos ensina que viver vale a pena quando conseguimos
superar as divisões internas, o medo e o egoísmo. Não que seja um pregador
religioso. Ele é apenas um homem com têmpera de aço, que se expressa pela arte
maior do cinema.