19 de junho de 2016

INCLUSÃO NA AMÉRICA



Nei Duclós



O título do filme Lilies of the Field  (Lírios do Campo) foi traduzido para Uma Voz nas Sombras, não sei porque. Sidney Poitier ganhou um Oscar interpretando o faz-tudo que aporta num sítio no deserto onde algumas freiras tentam sobreviver e construir uma capela. Muita coisa deságua nessa história em preto e branco dirigida por Ralph Nelson, veterano da II Guerra Mundial, que faz uma obra sobre a inclusão de migrantes na formação da América contemporânea. As freiras são alemãs do lado oriental de Berlim e pularam o muro para fugir do comunismo depois de fugirem de Hitler. A aldeia é composta por fiéis católicos mexicanos. E Poitier, afro-americano, encarna o povo importado como escravo que se transforma e vira o exemplo de um cidadão da terra de Tio Sam.

Ele é um trabalhador autônomo que descobre sua vocação para o empreendedorismo ao ser convocado como empreiteiro da capela. A livre iniciativa, que define o sistema americano, o qualifica para enfrentar o monopólio de um vendedor de material de construção e também para orientar os outros migrantes no processo de naturalização. Ele ensina inglês para as religiosas alemãs e torna-se o mestre de obras da construção da capela gerenciando os trabalhadores mexicanos, com quem divide tarefas, além das danças de celebração ao término de cada etapa.

Com as freiras ele ensina novas canções religiosas. O filme é de 1963, em plena realização do Concilio Vaticano II, que instaurou o ecumenismo na rígida Igreja Católica. A rigidez das freiras cede ao construtor batista e sua religião, que tem o mesmo Deus, segundo a própria madre superiora. O inimigo é o nazismo, não a fé ou a pele dos outros.

A inclusão dos novos migrantes no país fundado por migrantes é um tema recorrente no cinema. Não importa mais a cor, raça, religião e até mesmo a profissão. Você pode até ser da máfia desde que não traia a América. Neste filme, feito antes da onda perversa que domina hoje a Sétima Arte,os conflitos não são demonizados e tudo se dirige à paz na diferença, sob a liderança de Poitier, tratado como gringo pelos mexicanos. Não sei se esse foi o pior ou o melhor tratamento da minha vida, diz Poitier, que brilha nesta obra que está acessível no Netflix.

Lírios do campo é o álibi bíblico da madre que justifica sua falta de dinheiro para pagar o construtor. O nome dele é Homer Smith, mas esse Odisseu americano é tratado como Schimidt pelas alemãs. No fim dá tudo na mesma. O padre que inaugura a capela é irlandês e, claro, bebe muito. Não acreditava no sonho de rezar missa numa igreja pois oficiava na traseira de um caminhão. Mas o american dream é real. Pelo menos neste filme.

Nei Duclós

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