Nei Duclós
O jovem cineasta Pablo Lorrain (35 anos) celebrado por sua
trilogia anti-Pinochet, Tony Manero (2008), Post_Morten (2010) e agora NO
(2012), pisa em ovos ao abordar sua denúncia sobre a vitória da publicidade que
seu rebento candidato ao Oscar de melhor filme estrangeiro mostra em todos os
frames. Diz que apenas coloca o tema na roda para as pessoas tirarem suas
conclusões. Mas seu NO, baseado em peça de Antonio Skarmeta e com roteiro de Pedro Peirano, sobre o plebiscito de 1988 que
disse não a ditadura, é claro ao colocar as contradições da celebração do “fim”
do regime político implantado por um brutal golpe em 1973.
A chave par entender sua denúncia é o jargão repetido pelo publicitário
René Saavedra, que voltou ao Chile depois de viver no exílio por ser filho de
um socialista Miguel Saavedra, não por acaso uma referência a Cervantes e ao
quixotismo. Ele apresenta suas campanhas, tanto as corporativas quanto a
política, como um choque de modernidade que vai impactar os espectadores, já
que o país “está preparado para o futuro”. Não há diferença entre a campanha do
Não e a que vende a novela. O regime político cai, mas o sistema econômico permanece
e aprofunda as diferenças sociais. E pior: permite que a direita volte ao poder,
como acontece atualmente com Sebastián Piñera.
O plebiscito foi arranjado na véspera do Consenso de
Washington de Jimmy Carter, quando os americanos descobriram que deveriam
continuar imperando livrando-se da farda. É significativa o apelo publicitário
de tirar a farda do general e substituir o jaquetão pelo terno. Tivemos o mesmo
processo aqui.Os generais presidentes jamais apareciam de farda, com exceções. E
depois de 1985, a tirania livrou-se da farda para continuar imperando. A
tirania se expressa sempre pela repressão aliada à insistência na palavra
democracia. Nunca se fala tanto em democracia quanto numa ditadura. Aliás, é um
dos sintomas para detectarmos o problema: o nível de citação da palavra
democracia revela a existência da ditadura.
“A CIA agora está conosco, está com o No”, dizem os
publicitários no filme. Pinochet achava que ia ganhar, perdeu. Os generais, na
hora em que se ameaçava a tunga do plebiscito, anunciam a vitória da oposição.
Sabemos como funciona: em 1982, no escândalo Proconsult/Globo, tentaram roubar
a vitória de Brizola para o governo do Rio. Brizola chamou a imprensa
internacional e denunciou. Levou a melhor. Pinochet não conseguiu. Levou a pior
e dois anos depois teve de repassar o poder para o novo presidente eleito,
civil, Patricio Aylwin Azócar. Perdeu para os dudas mendonças, que fizeram uma
campanha baseada na alegria, equivalente ao nosso conhecido “sem medo de ser
feliz”. A alegria de viver na democracia. Vimos esse filme.
O fato é que a publicidade funcionou, mas, perigosamente, se
inseriu no noticiário (No ticias). A divulgação da nova novela é feita por meio
de uma falsa reportagem. A ditadura política acaba, mas o sistema econômico
implantado à força por Pinochet triunfa. E intensifica sua dominação, apesar
dos ares democráticos. No fundo, permanece a tirania via metástase do
capitalismo, ou seja, a especulação financeira, a produção voltada para a
exportação, o grande gap social, a brutalidade geral.
O filme é bom demais, super bem feito, com tecnologia antiga
(U-Matic) para dar mais verossimilhança ao regate histórico, tem ritmo , atores
magníficos como Gael Garcia Bernal e Alfredo Castro. É hilária a personagem do
ministro da ditadura interpretada por Jaime Vadell, que ameaça a agência de
publicidade por acobertar os profissionais que cuidam do Não. Os poucos minutos
em que ele debocha da oposição são tão engraçados quanto trágicos.
Filme feito com segurança e inteligência, pode levar o Oscar.
Sua imagem é de uma obra sobre o fim da
ditadura chilena. Mas a verdade é que é uma denúncia contra a manipulação
publicitária e o perigo que ela representa ao aliar-se a princípios virtuosos. A
publicidade ajuda a encerrar um ciclo político, mas se apropria da vitória.
Isso é o que o bom filme de Pablo Lorrain nos diz.