Nei Duclós
Amour (2012), vencedor da Palma de Ouro de Cannes 2012 e o candidato francês ao Oscar de Melhor Filme
Estrangeiro 2013, concorre também na academia americana em mais 4 categorias: melhor direção e
roteiro (ambos de Michael Haneke), filme do ano e atriz principal, para Emmanuelle Riva. Nascida
em 1927 na França, Emmanuelle, a Elle do genial Hiroshima Mon Amour, de Alain
Resnas (1959) pode levar o Oscar por sua performance dramática, radical,
sincera, emocionante nesta obra sobre o estado terminal de uma anciã e a
decisão do esposo de cuidá-la até o desenlace.
Se existe um cinema voltado para o humano, esse é o francês.
Vejo montes de obras que são feitas lá sobre famílias, crianças, educação,
velhice. Às vezes eles cometem alguma ação, que imediatamente é copiada pelos
aliens, os americanos. Neste Amour, vê-se a humanidade em sua integridade: fragilizada,
cínica, desesperançada, com os laços familiares rompidos, num ambiente de
indiferença e hostilidade. O único vínculo é entre o casal que se volta para
dentro da casa e trabalha as memórias, não no que elas tem de saudade, mas no
que significam para o presente.
Uma cena em especial me chamou a atenção. O marido,
interpretado pelo bom Jean-Louis Tritignant, lembra a conversa que teve quando
garoto com um colega violento e impertinente, que perguntara de onde tinha
vindo. Ele viera de um cinema e contou toda história que viu na sala escura.
Diz então o narrador que ao contar o filme reviveu o drama apresentado na
sessão e chega a fazer uma comparação. Confessa que lembrar o filme foi mais
emocionante do que vê-lo. É uma síntese sobre a Sétima Arete. Todo filme é
sobre cinema e este não escapa da máxima, que é minha frase chave para os
ensaios que faço sobre este assunto.
Estamos vendo uma narrativa de anciãos envolvidos com o resto de suas vidas,
resgatando porções da própria existência por meio de histórias que jamais
tinham sido contadas um para o outro. É um resgate profundo numa vida a dois que
tinha tudo para ser previsível. Mas a agonia e a morte são sempre uma surpresa,
uma ruptura não planejada de uma longa trajetória. O filme sobra em eficiência
narrativa, minimalista ao extremo, focado no que quer abordar, deixando um
travo amargo das relações humanas em ruínas, onde resta apenas o apego de um
casal de um outro tempo (a filha é separada do marido).
A música costura as cenas, já que os protagonistas foram
professores de piano. No início do filme, eles comparecem a um concerto do aluno
brilhante e bem sucedido. A câmara mostra apenas a plateia e não o pianista,
num deslocamento próprio de filme que procura eliminar tudo o que é supérfluo. Mais
tarde, o aluno vem visitá-los para agradecer e homenagear, mas fica chocado com
a situação. Isso se torna insuportável para a velha mestra, que prefere também
cortar esse vínculo afetivo com seu passado. Sem saída, enfrentando um processo
que se aprofunda na dor e no sofrimento, vemos os espíritos se debaterem entre
paredes até o momento em que, libertos da agonia, podem enfim retomar hábitos
antigos, como dar uma volta na chuva colocando o sobretudo.
Filme tremendo. Merece Oscar. Especialmente a Emanuelle
Riva, que se destaca entre as outras concorrentes. Minha candidata era a garota
Quvenzhané Wallis, de Indomável Sonhadora, mas agora é a Riva, já que Naomi Watts
é apenas um exagero no péssimo O Impossível, Jessica Chastain está bem, mas não
explode em A Hora mais Escura, e Jennifer Lawrence me surpreendeu em O Lado Bom
da Vida, mas não chega aos pés da veterana atriz francesa.