15 de junho de 2012

GIRO


Nei Duclós

Nem tente fugir do amor. É impossível. É como se a Terra deixasse de girar.

Fizemos uma tenda sob o caos do dia. Ríamos do mel que escorria.

Teu corpo sob medida, da cabeça aos pés do carinho.

Passei pela última vez aqui para pegar os versos que esqueci, disse ele. Não sei onde coloquei, disse ela.

Você é muito autocentrado, disse ela. Eu? disse ele.

O amor está esperando. Já demoraste demais em frente do espelho.

Tinha algumas poemas para te mostrar, mas vou guardar. Estás ocupada lendo o noticiário.

Se não te emociono mais vou emigrar. Pedirei cidadania em Júpiter.

A mudança foi feita, disse o encarregado. Mas sobrou um navio só de poesia. O que faço com ele? Levante a âncora e solte no horizonte, falei.

Pára, ela pediu. Como você consegue? É simples, respondi. Basta morrer disso.

Hoje está calor. Dentro de mim também.

Quando nada há para escrever, é aí que se manifesta o texto que dormia na parte mais funda das tuas roupas indomáveis.

Atendimento automático do amor. Digite seu código. Se quiser DR digite 1, beijos 2, suspiros 3 ou aguarde um(a) do(a)s nosso(a)s atendentes. Não abuse.

Existimos apenas neste espaço, ela disse. Basta desligar para o amor ir junto. Discordo, falei. Quando religamos a lâmpada continua lá, acesa.

Um muro azul de nuvens guarda a linha das montanhas no crepúsculo do outono. É bom estar contigo por qualquer motivo.

Esqueci onde íamos. Acho que há horas já chegamos, quando começamos a nos entender.

É vasto o horizonte feito de um único escândalo: tua presença impregnando tudo, do arbusto à mais escondida estrela.

Nada é minúsculo neste enredo que nos toma. Cada detalhe é um acontecimento.

Tudo isso para celebrar tua volta. Mesmo que finjas tua vontade numa gentileza exasperante.

Vou me comportar para que não fujas. Te beijarei à traição, quando não estiveres vendo. E de longe, para que não faça vento.

Falas comigo por minhas palavras. Assim não vale, enigma.


RETORNO – Imagem desta edição: Anna Torv Capa.