30 de janeiro de 2011

A REDE SOCIAL: DINHEIRO É O MELHOR AMIGO


Um sujeito enriquece ao se vingar da ex-namorada, trair o melhor amigo, não dar crédito para quem lhe ajudou a montar um império e anular sócios inoportunos. Acaba em frente à tela do micro implorando para recuperar o amor perdido. Mesmo pagando indenizações para quem atropelou pelo caminho, fica bilionário, junto ao dinheiro, único relacionamento fiel e duradouro. Diante deste enredo de A rede social (2010), de David Fincher ( do celebrado e para mim execrável “O Clube da Luta”), e que recebeu uma chuva de indicações para o Oscar, o povo já pergunta com maldade: onde está a amizade, palavra chave do site de relacionamentos Facebook, avaliado hoje em 50 bilhões de dólares, graças a uma injeção de U$ 500 milhões do banco Goldman & Sachs?

Amizade é uma ficção que o filme manipula com competência. Os inseparáveis Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg) e Eduardo Saverin, paulistano criado nos EUA (Andrew Garfield), unem forças para formatar na internet um clube onde cada membro faz sua rede exclusiva de contatos. Uma idéia nascida em Harvard focada na conquista amorosa e que se expandiu para outras atividades e universidades, até atingir os cinco continentes, sendo hoje uma network de 500 milhões de usuários. O laço se rompe quando surge Sean Parker (Justin Timberlake ), co-fundador da Napster, empresa que baixa música e que perdeu judicialmente para as grandes gravadoras. Conquistador, pedófilo e cocainômano, o novo personagem racha o núcleo original marginalizando o amigo da primeira hora de Zuckerberg, mas acaba também ficando fora do circuito, apesar de ainda possuir uma pequena parte das ações.

O filme é uma ficção sobre a fundação do Facebook e considerado longe da realidade pelos protagonistas reportados nele. Não importa. O que vale é o filme, que acaba sendo a imagem pelo avesso do que lhe faz a fama. Na rede virtual de “amigos” (na vida fora do filme), tudo corre bem entre os interlocutores, já que você pode escolher, bloquear, aplaudir, conversar, xingar etc. Em “A Rede Social”, o que há é briga entre mastins. O ponto de inflexão é a monetização da idéia. Primeiro, era preciso registrar o site sem que os outros envolvidos soubessem. Para isso, foram ludibriados (acabaram levando, na justiça, U$ 65 milhões).

Depois, era preciso arrancar do melhor amigo um dinheiro básico para as primeiras despesas (milo dólares inicialmente, depois U$ 19 mil, saídos do bolso do pai do brasileiro, que emigrou nos anos 90 porque a família estava na lista dos seqüestráveis). Mais tarde, decidir entre anunciantes ou investidores, para intensificar a empresa até chegar a um status de multiplicação de capital, o que de fato ocorreu. E, finalmente, diluir as ações do segundo sócio (o brasileiro Eduardo) para abocanhar a maior parte do butim. Deu certo. Gerou processos, mas o saldo foi positivo. Venceu a boa velha amizade com a bufunfa.

Há uma postura racista no filme, que foca em pequenos gênios milionários brancos fazendo jogo de gente grande e tirando sarro de outras paragens, como Brasil (sempre nós) ou Caribe, e de “asiáticas”, boas para a cama. Fortões loiros que são ludibriados por nerds fracotes também entram na dança. No fundo, é tudo vingança, pois o garoto não tinha chance com a namorada, exausta das conversas intensas e fascinada pelos atletas remadores, os que levaram a rasteira do micreiro.

É de se perguntar, a partir deste filme: os sites de relacionamento expandiram, reinventaram ou substituíram a amizade, espichando-a como se fosse massa de doce português, que a partir de um núcleo pode cobrir uma sala, tornando a massa tão fina que chega a ser transparente? O fato é que a amizade já não andava bem das pernas, pelo menos a tradicional, devorada quando as cidades deixaram de ser espaços identificáveis de convívio social, e a fidelidade aos lugares se desmanchou devido à mobilidade exigida pelas migrações e as atividades de sobrevivência. A superficialidade das relações sociais acabou sendo pautada pelo lazer e o consumo e não mais por princípios e valores permanentes, como se acreditava. Ou é possível que esses princípios nunca foram hegemônicos de fato, pois sempre houve fingimento ou traição. E os facebook da vida vieram reativar a velha ilusão de que podemos conviver com nossas diferenças entre tanto conflito.

Já existia apenas a amizade de ocasião ou resultados, gerida por interesses profissionais e limitada aos ambientes corporativos. Vizinhança e nacionalidade sumiram do mapa e no vácuo político dessa mudança o Facebook, o Twitter e o Orkut, entre outros, se destacaram como reguladoras e formadoras de redes de contatos afins entre pessoas dispersas, separadas radicalmente por vidas que jamais se tocam de verdade.

Os sites de relacionamento funcionam porque trabalham ficções que clonam necessidades reais. Você precisa de amigos, mas sabe que não pode contar com ninguém. Por isso mantém um perfil no Facebook onde consegue interagir com desconhecidos, que com o hábito tornam-se tão próximos como se fossem da família. Sabemos que não são, mas na sociedade do espetáculo vale a representação. E aqui, a composição de elementos audiovisuais, pontuados por diálogos certeiros, faz do filme um candidato capaz de levar muito Oscar para casa. Se não levar, tudo bem. Vale ver. Você embarca na vida dos empreendimentos da tecnologia, nas comunidades unversitárias, nos lances decisivos dos negócios e sai sabendo um pouco sobre esse rolo mundial que afeta a todos.


RETORNO - 1.Imagem desta edição: Andrew Garfield no papel de Eduardo Saverin e Jesse Eisenberg como Mark Zuckerberg (ambos excelentes) em cena de "A Rede Social". 2. Recapitulando: O enredo de A Rede Social obedece à estrutura do Facebook: relacionamentos, comments, links e blocks.

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