4 de janeiro de 2011

ESSÊNCIA


Nei Duclós (*)

Ninguém foge ao seu destino, a dúvida é saber qual é. Livre-se do supérfluo, dizem os gurus aconselhando a reduzirmos tudo a uma essência desconhecida. Corre-se o risco de, ao atingirmos o osso, voltarmos a cascas antigas, comprovadamente obsoletas. Precisaríamos achar um caminho de volta que não nos levasse a situações já superadas. Como não fazemos parte da natureza, já que somos seres culturais desvinculados do habitat bruto inicial, chegar ao que importa é tão complicado quanto manter-se na alienação dos problemas de sempre.

Quando chega o Ano Novo, o calendário faz brotar os apelos recorrentes de renovação e espiritualidade, coisas que são abandonadas já na primeira semana seguinte ao fim das férias. Sinal de que dependemos para sobreviver do que nos querem tirar. Não fosse artigo de primeira necessidade, jamais colocaríamos de volta o que aparentemente nos incomodava. Acontece com as dietas. Você faz a macrobiótica, a das frutas, a da alface com rúcula, a do almoço de 250 gramas e a das sopas, mas acaba resgatando ao que já estava acostumado.

Talvez a nossa essência seja essa carga de tradição jogada nos gens e no comportamento desde a pré-infância. E passamos a vida toda tentando nos livrar do que realmente somos, uma criaturas marcadas pela simplicidade. Claro que, socialmente, é preciso exibir alguma sofisticação, como os ágapes em casas sem paredes internas e de pé muito alto, implantadas à beira mar quando não havia lixo na praia e ressaca ameaçando os alicerces. Há aquele sorver de vinhos de ocasião e canapés variados, ao som de melodias up-to-date, quando tudo pediria apenas um recolhimento cedo para evitar os trastes que gostam de atacar de madrugada.

O furor das festas é realimentada até o Carnaval, para que essa ilusão celebrativa sirva de insumo para a indústria do espetáculo e do turismo. Há um cacarejar geral de alegria datada, convivendo com uma devoção tardia de quem cansou dos encontros fortuitos e repetitivos, que apenas desmascaram a falta de vínculos afetivos. Há, claro, legitimidade em muita reunião de saudades estocadas. Mas estas, verdadeiras, fiéis e essenciais, não fazem parte nem da festança nem do recolhimento compulsório, ambos cevados a peso de ouro e a cargo dos espertalhões de sempre.


RETORNO - 1.(*) Crônica publicada nesta terça-feira, 4/01/11, no caderno Variedades do Diário Catarinense.2. Imagem desta edição: Máscaras de teatro, tirei daqui.

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