23 de janeiro de 2011

AMIGOS DO PEITO


Nei Duclós

Fico triste quando termino um livro. É como se despedir de um amigo. Mesmo que fique perto, não viajamos mais juntos. Amizade nunca esquecida, mas nem sempre presente na memória de maneira completa. Tanto é que, muitas vezes, o relemos como se fosse a primeira vez. É quando acontece a alegria do reencontro e agradecemos a mente cansada por nos devolver essa aventura de refazer a mesma viagem.

Há muita oferta pelo mundo, mas acabamos fiéis a alguns compadres que batizaram nossos pensamentos, essas criaturas que participam das nossas conversas, textos, memórias, poemas. Chamam de acervo ou cabedal o patrimônio que nos acompanha, mas acho isso muito pomposo. Prefiro vê-lo como camarada de guerra, que nos entende no silêncio de suas palavras impressas e mudas. E nos aconselha, revela, orienta e às vezes leva uns cascudos, pois somos também protagonistas dessa relação longeva.

Muitos livros são presentes de pessoas queridas, que assim repassam suas paixões para quem é chegado, numa espécie de confidência, de segredo repartido. Pois quando um livro nos conquista, não há espaço para o egoísmo. Precisamos urgente contar a boa nova. Mas essa é uma providência complicada. O interlocutor não costuma estar preparado e passa batido pela sugestão. Aconteceu várias vezes comigo. Alguém me falou de um volume que eu tinha inclusive na estante, esquecido, mas só quando resolvi aceitar a sugestão pude navegar na obra-prima.

Sugerir corre o risco de não encontrar repercussão na pessoa que queremos presentear. Há o constrangimento de forçar a leitura ou a decepção de notar que o assunto nunca emerge, permanecendo oculto em sua sofrida serenidade. Há também soberba. Custamos a nos convencer que alguém tem uma jóia para mostrar e adiamos o evento para provar que não precisamos dele. Mas enfim cedemos e acabamos abraçando o que pertencia a outra pessoa. Ficamos sócios do clube, nos engajamos naquela tropa, nos adotamos na família. Há tantas: os Borges, os Carpentier, os Lobato, os Ramos, os Morais, os Cabral, os Saint-Exupery. As Meirelles, as Prado, as Lispector.

E há não apenas as comunidades literárias, mas as dos historiadores, pensadores, sociólogos. Sou Buarque de Holanda, pai e à revelia dos autores, faço parte dos Foucault, dos Barthes. Não os exibo como medalhas de leitura. Só próximos e sérios demais para esse tipo de falsidade. São, como disse, amigos do peito, camaradas de verdade. Se alguém mexer comigo, mexe com eles.


RETORNO - Imagem desta edição: tirei daqui.

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