20 de abril de 2010

MIOLOS


Nei Duclós (*)

Ter idéias é espremer a testa com rugas profundas e dar um piparote do indicador na cabeça. É também fazer cara de produção de pensamento, olhando significativamente para o nada. Morder óculos ou olhar para o interlocutor de baixo para cima, com um ar de divertido aborrecimento, também são expedientes que sugerem que somos bambas nessa arte de tirar coelhos da cartola.

A pergunta mais recorrente das entrevistas é sobre “essa coisa” de criar. Inventar parece ser mágica bizarra demais para o entendimento normal. Quando alguém diz que é o responsável por algo inédito, precisa enfrentar o tribunal. “Já vi isso em algum lugar. Foi teu professor que disse. De onde você copiou?” Falei com um empresário que jurava ter criado todos os seus produtos: “Meu filho passava um fax do Japão com o design”, dizia ele.

Por ser esdrúxula, a criação passou a ser artigo de luxo. Os espertalhões aproveitaram para faturar com bancos que não servem para sentar, mas funcionam maravilhosamente na prancheta ou nas fotos. O cérebro buscando caminhos seria então uma espécie de grife, com valor de mercado e não uma atividade do cidadão em sua plenitude.

Vimos o que aconteceu com Santos Dumont. Milionário livre em Paris, deixou-se envolver pela procura mundial de uma solução para levantar o mais pesado que o ar. Conseguiu, mas não patenteou seu invento. Dois anos depois de seu feito, dois fabricantes de bicicletas americanos mostraram a foto de um artefato catapultado para o abismo e que, segundo recentes testes, jamais teria condições de levantar voo.

Dumont foi incensado por décadas até que o Brasil envergonhado tomou conta do outro, o soberano. Foi quando venceu a versão adventícia. O Pai da Aviação acabou caindo na vala comum dos inventores brasileiros, como o Padre Landell de Moura, que teve seu laboratório de testes destruído porque mexia com raios e ondas e descobrira o rádio e o telégrafo sem fio antes dos outros. Sem falar no padre Francisco João Azevedo que enviou para uma fabricante de armas, a Remington, os detalhes de sua criação, a máquina de escrever.

Mas quem liga para isso? Nascemos para imitar, já que espremer os miolos deve ser atributo que medra fora das nossas fronteiras.

RETORNO - 1. (*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 20 de abril de 2010, no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem desta edição: o brasileiro Santos Dumont e seu invento.

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