25 de abril de 2010

DR. MABUSE: FRITZ LANG E O ILUSIONISMO


O cinema foi criado no auge da moda do ilusionismo como espetáculo, quando mesa branca para chamar espírito era reunião social e o psiquismo atraía multidões ao teatro, vestindo de roupas “científicas” os números de magia. Em 1922, ao dirigir Dr. Mabuse, baseado em romance de Norbert Jacques, o gênio de Fritz Lang acertou na preferência do público, que encheu os produtores de dinheiro. O sucesso colocou Lang , mais tarde, na mira do nazismo do Dr. Goebels, o próprio Mabuse em pessoa. Lang descreve o horror que foi o encontro com o propagandista de Hitler, que tentava seduzi-lo para fazer um filme sobre nazistas, bem no momento em que ele, Lang, repetia a dose em mais uma obra com o personagem Mabuse, o famoso personagem manipulador de consciências, isso já em 1932.

Vi por enquanto só o primeiro filme, mas não quero perder a embocadura provocada pelo impacto. É um trabalho longo e muitas vezes monótono, mas poderoso nas imagens e na trama. Mabuse é um psicanalista famoso que opera uma rede de crimes para fabricar dinheiro falso, manipular as ações da Bolsa de Valores e ganhar nas cartas por meio da hipnose das suas vítimas. O irritante é que ninguém consegue flagrar Mabuse na sua onipresença, disfarçado dos mais variados personagens, do mendigo ao mágico, do jogador ao chefe de quadrilha.

Mabuse escapa da perseguição implacável do advogado estatal. A falta de experiência do poder diante das novas forças do crime é limitada a essa época emergente. Sabemos no que deu tudo isso. O nazismo usou todas as técnicas de manipulação de consciência (inclusive a magia e o psiquismo), por meio da propaganda de massa, dos espetáculos pirotécnicos para as multidões, mentindo todos os dias até a mentira virar verdade. Foram lições aprendidas pela publicidade e pelos poderes que nos governam.

Não por acaso o dinheiro falso e o jogo da Bolsa entram na mira de Lang, que denuncia com clareza o esquema. Marx fez o mesmo com o capitalismo nascente: os gênios vêem o sistema completo quando eles surgem na vida social. Lang notou como era possível obter lucros por meio da interferência artificial nos preços das ações, inventando fatos (o roubo de um acordo secreto entre as potências, por exemplo, e depois sua devolução, quando as ações voltaram a subir). E mostrou como era possível usar o sobe desce das moedas para abastecer o mercado de dinheiro falso.

O jogo bruto, assassinatos e seqüestros, entram como apoio do que é feito na percepção coletiva. O uso da agitação política para cometer crimes, tão comum em nosso meio, está lá, nesse filme magistral, em que Lang debocha da palavra expressionismo, a marca registrada que usaram para definir seu cinema magnífico. Expressionismo é como tudo, uma falsidade, uma comédia, diz um dos personagens. Lang não deixa nada barato e sua radicalidade pode ser vista com todo seu esplendor neste filme. Não bastasse ter feito obras primas como M ou Metrópolis, Fritz Lang ainda nos dá Mabuse, uma obra densa, profunda, com a fúria da lucidez sem limites.

Logo depois que Goebels tentou levá-lo para as hostes do nazismo, no mesmo dia, Lang pegou suas trouxas e fugiu para os Estados Unidos. Tinha visto onde aquilo iria parar. Foi continuar seu trabalho no grande ilusionismo que é o cinema e que ele usou para denunciar a sacanagem. O cinema em Hollywood teve desvio de conduta, principalmente depois do macartismo dos anos 50, que eliminou a inteligência e a liberdade, especialmente dos criadores que fugiram da Europa em guerra.

Dr. Mabuse é, como todos, um filme sobre cinema. A Sétima Arte, que faz parte do nascente ilusionismo de massa que tomara conta da vida social do Ocidente, tinha condições de virar o jogo, denunciando os truques das grandes mentiras. Mas também foi enredada pelos poderes, mais tarde totalmente tomados pelos inúmeros Mabuses.

RETORNO - Imagem desta edição: cena de Dr. Mabuse, em que a elite convoca os espíritos e torna-se refém (mais tarde protagonista) das forças de manipulação.

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