23 de julho de 2008

LIMPEZA SOCIAL E ENSINO PROFISSIONALIZANTE


Apesar do Toma Lá, Dá Cá fazer de tudo para que eu desistisse de esperar pelo Profissão Repórter de terça-feira, consegui ver Caco Barcelos e sua equipe deixarem sua marca na televisão brasileira abordando as pessoas marcadas para morrer no Brasil da ditadura civil. Já era quase meia-noite quando essa competência carismática que é o nosso Caco veio para cima de nós com seu assunto favorito, a matança institucionalizada no país que escapou das nossas mãos.

O programa, veiculado pela Rede Globo, mostrou o juiz e o padre cercados por seguranças, a mãe que viu todos os filhos serem assassinados sem que nenhum matador fosse preso, a garota que denuncia a liberdade dos bandidos e a prisão das vítimas, os jornalistas do Recife que descobrem a limpeza social que é a mortandade diária em Pernambuco, o Pará entregue à sanha dos grileiros de terras e pessoas, o ex-professor aposentado aos 39 anos que perdeu a tranqüilidade de espírito depois de ver o traficante torturar um garoto (bem nas fuças de um dos teus Cieps, Brizola! bem na frente do teu projeto de educação, comandante!) , tudo são provas de que vivemos num regime de exceção, continuidade do regime que em 1964 rradicou a democracia junto com o Brasil Soberano.

Diga a verdade: se você fosse governante de um país que mata centenas de pessoas por dia, em crimes que ficam impunes, sem que a polícia dê conta ou a sociedade consiga reagir, você iria viajar pelo mundo anunciando como somos viáveis e bons de serem comprados? Não, você ficaria aqui, a postos, tentando resolver os assassinatos em série, procurando uma saída. Senão, para que serve um país, um governo, uma gigantesca comunidade como a nossa? Serve para que a gente se devore mutuamente? Serve para provar que o Brasil e os brasileiros não prestam?

Além do governante omisso e viajador, temos a grande rede de organizações que se locupletam com dinheiro público e estrangeiro para salvar as tartarugas gigantes e treinam as pessoas em ocupações de escravos. Pois é isso que fazem. Ensinam capoeira, como arrumar a cama dos hotéis, como limpar o hall de entrada, como fazer confeitos. Mas não ensinam quanto é dois mais dois, qual o mistério da crase, por que Machado de Assis é grande, o que significa termos uma literatura, o que pega na teoria dos conjuntos, para que serve a gramática e a língua culta. Tudo isso ficou de fora, e a estudantada está hoje confinada a territórios que são alvo de balas perdidas.

A verdade é que sucatearam o ensino de verdade e colocaram no lugar essa excrescência que é o ensino profissionalizante, onde é aprendida a lição datada, voltada para o mercado e que em pouco tempo vai desaparecer para dar lugar a outra, mais digerível. Você não ensina como dobrar um lençol, você ensina matemática. Você ensina inglês para ler Walt Whitman e a revista New Yorker, não para ciceronear turista em favela. Você ensina latim para explicar de onde vem nossa língua, ensina francês para que possamos ler Victor Hugo no original (que epifania! que experiência! que deslumbre!) e assistir Godard sem legendas. O ensino é sagrado, é a base da cidadania e da liberdade. Com o aprendizado do que realmente importa, você faz o que quer, até mesmo passear cachorro em Miami.

Agora, se você ensina o sujeito a só passear cachorro em Miami, quando Miami sucumbir com uma avalanche de ódio étnico e de seu luxo não ficar nem pistas do Miami Vice, então onde você ficará, para onde vai se recolher? Você não pode perder tempo vendo aqueles falsos humoristas energúmenos dizendo baixaria enquanto o "Profissão: Repórter", como cavalo campeão preso na raia, bufa para sair correndo e mostrar o país onde vivemos.

Ou entendemos o que se passa à nossa volta, ou seremos todos massacrados por essa ditadura interminável, que jamais será apeada do poder enquanto acharmos que isso tudo é normal. Normal um bom caçaralho!

RETORNO - Imagem de hoje: Caco Barcelos e suja equipe do "Profissão: Repórter". Disparado, o melhor programa da televisão brasileira atualmente.

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