7 de junho de 2007

ELES MOITAM PARA CHUPAR





Se você fizer algo admirável, e tem plena consciência do seu feito, e ao mesmo tempo só recebe de volta bolas quadradas, evasivas, silêncio, oposição pura e simples, sem justificativas, e moita geral, não tenha dúvida: é sinal de que você está sendo tungado. É o que acontece com a obra impressionante do brasileiro Carlos Castaneda (ao que tudo indica, sobrinho do grande Oswaldo Aranha), naturalizado americano em 1957 e escritor de sucesso, que morreu de câncer alguns anos atrás. São inúmeras as chupadas que suas descobertas desencadearam. Jamais lhe dão o crédito, enquanto o colocam na gavetinha dos autores superficiais e comerciais. Os exemplos são inúmeros, mas um se destaca: “Poder além da vida”, filmeco baseado em obra castanedistica de Dan Willman, o ginasta que escreveu uma autobiografia ficcional sobre seus tempos de juventude.

Nick Nolte (sempre um grande ator) faz um Don Juan que inclusive desperta a atenção intensificada segurando o aprendiz pelas costas, como acontece nos livros de Castaneda. Nos Estados Unidos, apontaram as semelhanças e coincidências, mas é algo mais: é simplesmente uma cópia mal feita do aprendizado do guerreiro, tendo à frente a técnica de limpar a mente de tudo o que for inútil. Os autores (escritor, roteirista e cineasta) poderiam citar a fonte, mas preferem fingir que não existe a sintonia explícita. É para isso que serve a moita: para chupar o que foi feito de original e profundo.

Mas a volta do dvd aqui para casa nos trouxe um grande filme: “A Rainha”, em que Helen Mirren, vencedora do Oscar por sua atuação, faz uma rainha Elizabeth antológica. É a história da monarquia que foi salva num momento crítico, a morte da Princesa Diana, por um trabalhista, Tony Blair, exatamente a pessoa que foi eleita maciçamente para modernizar o sistema. Blair pressiona a rainha para se manifestar sobre a morte que mobilizou multidões em frente ao palácio, pois sabe que seu país, do jeito que foi formado e existe, jamais poderá ser uma república, será sempre uma monarquia.

O filme é absolutamente perfeito. Mistura cenas reais com ficção e mergulha nos bastidores do poder, sugerindo mais do que mostrando e fazendo um diagnóstico arrasador sobre a insensibilidade, a frieza, a indiferença de um trono manchado de sangue. Mas o maior feito do filme é isso que ingleses e americanos sabem fazer como ninguém; a atualização dos mitos. Aparentemente, o cinema desses dois países abordam os heróis, as personalidades públicas que pertencem ao Olimpo das duas nações, como pessoas precárias, humanas.

Mas ao fim e ao cabo, ressurge a força original dessas representações humanas, síntese dos seus povos, que são projetados para um tempo futuro, mantendo assim a escrita: sim, são grandes personagens e crescem quando são denunciados em sua pequenez. É um trabalho de ourivesaria em que entram História, memória, mitificação e realidade. A Rainha, no final, mantém-se firme, apesar da crise de credibilidade que sua instituição enfrentou. Quando aprenderemos com eles? Aqui, continuamos destruindo nossos mitos, numa sucessão de ataques suicidas à formação da nacionalidade. Não se trata de se entregar a velhas abordagens patrioteiras, mas trazer para a exposição pública do século 21 o ferro maleável da construção de eventos e seus principais personagens.

Destruir nossos mitos faz parte do sucateamento da soberania nacional, trabalho ao qual se entregam tantos brasileiros. Basta um gesto para despertar o adormecido sentimento de pertencer a uma grande nação. Não é por acaso que o livro sobre Dom Pedro II, de José Murilo de Carvalho, um dos nossos melhores historiadores, está se destacando na lista dos best-sellers. Anexamos a obra à nossa biblioteca. Quando terminar de ler, vamos comentar. Dom Pedro II, Getúlio Vargas, Siqueira Campos (o tenente revolucionário) e Carlos Castaneda, entre tantos outros, merecem ser melhor conhecidos e analisados.

É crime moitar sobre os protagonistas que marcaram as épocas em que viveram. Ainda mais agora, em que tudo é usado para a politicalha. Um povo instruído sobre suas origens e transcendência não se deixa levar por discursos matreiros.


RETORNO - Imagens de hoje: na foto principal, Nuvens, de Regina Agrella; nas menores, duas cenas: a primeira é de "Poder além da vida"; e na seguinte, Helen Mirren em "A Rainha".

Nenhum comentário:

Postar um comentário