20 de junho de 2007

O INTELECTUAL INORGÂNICO



O conceito de intelectual inorgânico costuma ser mal aplicado. Ele seria independente, em contraposição ao intelectual orgânico definido por Gramsci, que, por sua vez, procura dar “coesão e consistência a uma classe” (as aspas são tiradas de artigo de Dênis de Moraes). Pode-se acrescentar: a um projeto viável, sintonizado com as necessidades de um grupo de pessoas ou mesmo de uma nação.

Tivemos excelentes intelectuais orgânicos, se formos buscar exemplos fora do universo marxista, como o primeiro Andrada, patriarca da Independência, Alberto Pasqualini, o mentor das leis trabalhistas, ou San Thiago Dantas, o inventor da diplomacia não alinhada para o Brasil. Tivemos também péssimos intelectuais orgânicos, como Roberto Campos, que justificou o desaparecimento do Brasil como nação soberana, ao aprofundar de maneira erudita sua ideologia pragmática e perversa. E intelectuais orgânicos catastróficos, como Plínio Salgado.

Mas há uma confusão aí. Gramsci usou outro termo para intelectual inorgânico. Seria o próprio intelectual tradicional, “que se conserva relativamente autônomo e independente, mesmo tendo desaparecido a classe à que pertencia no passado”. Estamos cheios de intelectuais tradicionais. Alguns horrendos (sobram exemplos, não cito para não me incomodar) outros excelentes (também não cito pois, por serem tradicionais, serão confundidos como direitistas).

Mesmo que tenha existido pessoas notórias e decentes como Florestan Fernandes, que usou o termo inorgânico para se referir a essa independência, prefiro outra linha de definição, para poder enquadrar Mangabeira Unger, que acaba de assumir seu posto ministerial, levando junto 80 postos comissionados, que serão remunerados conforme o aumento gigantesco de 140% outorgado ontem por Lula a esse tipo de cargo. São salários que vão de 1.900 a dez mil reais, um total o que pode bater na casa de um milhão por mês, ou 500 mil dólares.

O que seria, para mim, um intelectual inorgânico? Seria o cara que emite conceitos corretos, ou pelo menos coerentes, justos, equilibrados, ousados às vezes, mas tem uma prática oposta ao que prega (ou simplesmente pede para esquecer). Sua produção de pensamento não fede nem cheira diante dos fatos. Um bom exemplo é o Fernando Henrique Cardoso, tão coerente na sua longa trajetória acadêmica e que na hora do vamos ver sucateou o país. E Mangabeira Unger é outro, pois não há perigo de sua gestão no seu ministério estratégico ter alguma influência positiva sobre a nação, já que está contaminada na fonte.

Por ter considerado o primeiro governo Lula o mais corrupto de toda História do Brasil, Unger jamais poderia almejar qualquer cargo depois que aconteceu a reeleição. Sua denúncia se sintonizava com tudo o que pregava, mas sua posse enterra qualquer coerência que por acaso queira ter. Fica patético ouvi-lo justificar-se diante da seleta platéia no Planalto, fazendo aquelas carantonhas de Churchill. Fica parecendo mesmo o que é realmente: um sotaque gringo querendo assenhorar-se da essência da nação, exatamente o seu pensamento estratégico. Posso estar errado se ele conseguir alguma coisa na sua gestão. Mudar de estratégia às vezes pode ser benéfico. Mas nesse caso prefiro desconfiar.

Lula, como sempre, disse bobagem. Acha que o país só poderá ser uma grande nação se houver um pensamento estratégico para torná-lo grande. O problema é que essa estratégia já existe, estamos saturados de diagnósticos. Sabemos o que é preciso para que o país volte a ser uma grande nação. A solução não seria seu ministro de ocasião, que ele contratou para calar uma voz dissidente que tomava vulto pela erudição e coerência e para conseguir algum prestígio onde ele não tem nenhum, exatamente o da produção de pensamento.

O que precisamos é que a criação intelectual justa e coerente tenha realmente força nos destinos da nação. O que manobra e domina o Brasil é a pirataria financeira, são os juros, a dívida externa, fonte da desigualdade social e da perversidade do poder. Não adianta um discurso limpo, forte e justo se o comando está em outras mãos. O que existe é uma defasagem entre a estratégia ideal e a prática perversa.

Por estar contaminado na fonte de sua posse, Unger não está talhado para a missão. Faça a cara de mau que fizer. Não poderá jamais criar um “nexo entre teoria e prática”, como acontece aos intelectuais orgânicos.


RETORNO - Imagem de hoje: Churchill se esforçando para imitar a cara de mau de Mangabeira Unger.

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