9 de junho de 2007

INTELIGÊNCIA É EMOÇÃO



Você não se emociona com o que não compreende. Ignorar gera resistência e muitas vezes ódio. Mas entender acaba tocando o coração. A emoção portanto não é cega e não basta a si mesma. Ela é o resultado da intenção de entender. Quem se emociona não é obrigatoriamente inteligente, mas expressa recados claros da mente. Por isso, se você tem a intenção de emocionar, não aposte na burrice do receptor, naquilo que parece ser infalível para fazer verter lágrimas. As pessoas choram porque conseguem ver o que estava oculto, enxergar o que parecia inacessível, aprender o que jamais tinha sido sequer sugerido.

Mas o que acontece é a repetição de chavões que fazem as pessoas se emocionarem, poderão dizer. Aí é que está o engano. As pessoas não se emocionam sempre pelos mesmos tipos de enredos ou desfechos. Elas se emocionam porque em algum lugar da obra, da narrativa, do exemplo, eles encontram a chave para o entendimento. Por isso parece ser tão incompreensível porque filmes ou livros que aparentemente nada possuem, a não ser um amontoado de soluções prontas, fazem o maior sucesso. É que em cada uma dessas obras, se destacam as revelações que atingem o coração pelo caminho aberto da mente.

O que se repete é o esclarecimento. Na comédia romântica, por exemplo, a descoberta do amor vem pelo insight sobre o parceiro que esteve sempre ao lado e jamais foi percebido de maneira clara. Sempre funciona: o amante em potencial não enxergava o que estava explícito e só quando ele vê de maneira clara é que corre, no final do filme, para encontrar seu grande amor. Mas isso vira um truque! pode-se contra-argumentar. Não concordo. Cada peça, filme, romance, precisa palmilhar o caminho do entendimento dos personagens para poder emocionar. Não se trata de empilhar as situações já consagradas. Mas de refazer o trajeto, que aparentemente é sempre o mesmo.

Fica então difícil saber porque as pessoas se emocionam com algo que já foi explorado até a exaustão. É porque o lugar comum tem outro significado: o comum, no caso, é o que acontece a todos, mas em cada história tem sua identidade própria. O comum não é o batido, o Mesmo execrável. Quando a mesmice assoma, ninguém gosta. O sucesso vem quando o autor palmilha o árduo caminho do entendimento na sua narrativa. Quando as histórias se parecem, mas mantém sua especificidade, fica ainda mais encantador. Porque nos reconhecemos em histórias parecidas, mas nunca iguais. Praticamente relembramos a fonte da emoção: saber primeiro, para chorar depois

Há emoção quando há inteligência, em qualquer nível. Não se trata da tal inteligência emocional, como se o entendimento estivesse a reboque do romantismo. Costuma-se dizer que só podemos entender quando sentimos. É uma percepção pelo avesso. É exatamente o contrário. Só podemos sentir quando entendemos. Grandes poetas não perdem tempo em gerar emoção se derramando em versos. Mas fazem como João Cabral de Melo Neto: limpam a palavra até o osso, mantêm a dureza do ofício, buscam a engenharia no lugar do açúcar e o resultado é devastador. Sempre me emociono com João Cabral, porque ele aposta na compreensão dos processos para tocar fundo o leitor.

Alguns roteiristas já viram esse nó de maneira muito clara e por isso estendem até o limite a elasticidade das situações. O que desencadeou este texto foi o filme Mais estranho do que a ficção, do roteirista Zach Helm, dirigido por Marc Forster, com Emma Thompson, Dustin Hoffman, Will Ferrer, Maggie Gyllenhaal e Queen Latifah. É sobre literatura: um personagem escuta a voz feminina de uma narradora, que descreve a vida dele, personagem. A escritora está em crise criativa, pois ficou prisioneira de uma obra assassina, que mata seus personagens. O protagonista inventado acaba sendo real e se insurge contra a própria morte.

O filme narra a jornada de um imbecil até o entendimento, para usar o título de uma peça de Plínio Marcos. E revela a transformação da escritora, prisioneira dos horrores de Dostoiewski, que se liberta para uma história em que seu personagem se salva não por se insurgir contra sua própria morte anunciada, mas porque deixou exposto o truque narrativo ao se conformar com seu fim. É poupado porque esclarece a autora sobre sua crise criativa e ganha a chance do amor ao se entender com alguém exatamente oposta a ele. Um belo filme, inteligente, que por isso mesmo emociona.


RETORNO - Imagem de hoje: cena de "Mais estranho do que a ficção". Emma Thompson e Queen Latifah: a escritora em crise criativa e a inesquecível secretária de autores travados.

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