27 de abril de 2007

FOGO NA QUINTA DA CARNE

O supermercado Rosa, aqui na praia de Ingleses, em Florianópolis, mudou recentemente de sede, abrindo espaço amplo e limpo, com preços razoáveis para uma praia considerada cara. Sempre vamos lá. Ou melhor, íamos. Ontem, quinta-feira, um rapaz de sobrenome Pacífico, de família tradicional de pescadores aqui da região, funcionário subalterno, entrou armado num dia especial da semana. Toda quinta-feira tem (ou melhor, tinha) ofertas ótimas no açougue, com preços bem abaixo da tabela. Juntava gente e se você retirasse a senha só seria atendido meia hora depois e às vezes mais. Mas valia a pena a espera.

Pois no meio da tarde, quando 120 pessoas se aglomeravam no supermercado, o rapaz ameaçou todo mundo, espalhou combustível no setor de limpeza e ateou fogo. Depois apareceu com uma bala na cabeça. A tragédia deixou 32 feridos, sendo cinco em estado grave. Coisa só vista na televisão, há espanto geral na vizinhança. O que aconteceu, meu Deus?

Talvez toda a verdade venha à tona a partir de hoje ou talvez nunca saberemos ao certo os motivos do jovem considerado brincalhão e avesso às drogas. Diz-se que estava por ser demitido ou teria sido já cortado do quadro de funcionários. O certo é que ele passava por período de insegurança no trabalho. A pesca, por aqui, como no resto do Brasil, entrou em franca decadência. O extrativismo secou suas fontes devido à especulação imobiliária, em muitos lugares pela poluição ou ainda pela concorrência de grandes barcos e empresas que levam todo o peixe. Ainda há a fase da tainha, em que os cardumes que passam nesta época do outono acabam sendo apanhado em quantidades cada vez menores pelos que ainda vivem da pesca.

Não é correto especular sobre tragédias, mas algumas situações ficam evidentes. Uma família que tradicionalmente vivia da pesca hoje depende da população que migrou para cá, tanto para morar quanto para passar a temporada ou alguns dias dos feriadões. Pode-se imaginar o impacto que esta parte antigamente tão reservada (fica bem no extremo norte da ilha, a 35 quilômetros do centro da cidade) sofre com a população de outros lugares que chegam com seus dinheiros, carros, consumo, algazarra, presença. Estou entre os que ficaram e aos poucos fui sendo assimilado ao dia a dia da vila, que hoje conta com umas 40 mil pessoas fixas (na temporada vai para 300 mil).

Supermercado cheio de todos os produtos, gente comprando sem parar, e no outro lado da corda um salário pequeno, sofrível, insuficiente. Nada justifica a violência nem o gesto desesperado e suicida do rapaz. Mas a falta de planejamento urbano, de políticas públicas decentes, o que deixa populações inteiras à mercê de um mercado oscilante e muitas vezes predatório, são fontes e insegurança, pânico e violência. Os ilhéus são desconfiados por natureza, mesmo sendo cordiais a maior parte do tempo. Há um encanto em morar aqui, pois o hábito do convívio mostra a nós, adventícios, que apesar de inúmeras dificuldades, ainda resta aqui um espírito coletivo comunitário, em que as pessoas se identificam e, dependendo dos casos, te aceitam.

Mas há o conflito natural de um pequeno lugar que atrai gente de lugares maiores. Se lá é tão rico e maravilhoso, o que eles vem fazer aqui? De onde tiram tanto dinheiro? Por que compram sem parar? Afora isso, o supermercado Rosa também atraía massas de pessoas locais, pois competia duramente nos preços em relação a outros supermercados menores. Costumávamos oscilar entre o Rosa e outros pontos de venda, um pouco mais caros, mas mais confortáveis para comprar. O Rosa sempre estava apinhado de gente, especialmente nas quintas-feiras.

Hoje só existe os escombros do que foi um belo supermercado, que não pertence às grandes redes e se fez na ilha com competência e trabalho. Eu sentia um pouco de despreparo de alguns funcionários, mas no geral são muito gentis. Talvez não houvesse uma política eficaz de treinamento. Talvez isso tudo tenha ajudado a gerar ressentimento. Talvez, o que sabemos? A violência explode na vizinhança e ficamos de olhos parados e mãos amarradas. Você viu? O Rosa! Na quinta da carne!

RETORNO - Imagem de hoje: incêndio no Rosa, foto publicada no Diário Catarinense.

2 comentários:

  1. Anônimo3:43 AM

    Pois bem, estava aqui em meu lar, conversando com minha esposa sobre seu trabalho, onde acabamos por entrar no assunto do incêndio, que arrebatou 9 vidas no hospital de caridade em 1994, o qual, nos dias de hoje, é o local de seu trabalho.
    Em meio às pesquisas sobre estas notícias tristes, me veio a lembrança do trauma em que passei em 2007 no meu trabalho, o supermercado Rosa dos ingleses. Éramos jovens, o meu primeiro emprego. Existia um supermercadoque chamava-se Emília , que até o momento era o maior ou um dos maiores que haviam no bairro. O Rosa o comprou, e bem nessa transição eu entrei. O tempo passou, e trouxe novidades para o bairro, um supermercado novo, grande e com a prática de promoções e preços mais baixos, o que até aquele momento não eram praticados, porque sim meus caros, os preços eram altos.
    A empresa estava em expansão, ganhando confiança e crescendo.
    Puxa, como é bom lembrar, foi onde fizemos as melhores amizades, as equipes eram como irmãos, havia uma sintonia muito boa, trabalhávamos leves e felizes. E por muitas vezes, reuníamos o pessoal para um churrasco, isso quando não eram festas como junina por exemplo com todos caracterizados. Ahh, bons tempos.
    Mas voltando, com a empresa em ascensão, com as duas maiores lojas da rede, uma novidade para empresa em si, começaram a reformar as mais lojas mais velhas, onde faziam uma seleção de alguns funcionários que até se dispuseram a ajudar na parte de retirada das mercadorias, de um lado para outro, para que pedreiros, pintores, refrigeristas, pudessem trabalhar. Aí que vem o problema: Não sei se foi somente com ele que aconteceu, mas como eram em lojas mais distantes, como Palhoça e São José, o liberavam tarde, quando não havia mais ônibus para retornar para casa, ele por vezes, teve que dormir em pontos de ônibus, pois não tinham a capacidade, de levarem ou darem o transporte necessário para volta, entre outras humilhações que o fizeram passar. E creio, que talvez o proprietário do Supermercado, nem soubesse das atrocidades que seus gerentes, subgerentes ou chefes de loja faziam. E também quero ressaltar, que não estou de acordo com que o rapaz fez, que nenhuma ação que ele cometeu, justifique o que ele tenha passado. Mas não temos como saber, como a pessoa que passa por humilhações assim, vai reagir. Talvez fosse mais sensato, principalmente para ele com toda sua vida pela frente, acionar a justiça. Mas que também sabemos, que no Brasil só funciona para os mais abastados.
    Esse meu relato, após muitos anos do acontecido, trago para tentar fazer aos leitores, se é que alguém ainda vai ler isso, refletirem sobre seus atos, suas arrogância para com os outros, e também aqueles que são ofendidos, que não vale a pena dar sua vida por pessoas que agem assim.

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  2. Anônimo3:50 AM

    Quero pedir desculpas por alguns erros ortográficos no texto acima, como postei como anônimo, não consegui corrigí-los.

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