Por acaso passei em frente ao Jornal da Globo de ontem, no momento em que os jornalistas lamentavam o desequilíbrio do sul-coreano que matou 30 pessoas na Universidade da Virgínia. Um evento que tem farto depoimento do algoz recebeu o enfoque granítico de que a culpa toda recai sobre o indivíduo. Não se trata de justificar assassino nenhum, mas tudo nesta vida precisa ser entendido a partir do entorno, do ambiente, das relações sociais. No seu instigante filme Elephant, Gus Van Sant expõe o mecanismo interno da vida dos adolescentes antes, depois e durante a tragédia de Columbine. Não se propõe a entender, mas a mostrar que o buraco é mais embaixo, que esses massacres precisam ser decodificados para que não se repitam, ou pelo menos possam diminuir de intensidade. No caso da Virgínia precisamos entender o indivíduo que parte para a ruptura depois de viver uma vida de exclusão no lugar onde procurava se integrar.
O sistema educacional americano é privatizado. O que eles têm de serviço público é precário, como demonstrou recente vídeo em que um entrevistador perguntava coisas óbvias para as pessoas nas ruas e elas respondiam absurdos, fruto da ignorância promovida pelas escolas. É um sistema que foi copiado aqui depois de 1964. Antes, tínhamos um ensino público de excelência. Como funcionava? Na base da disciplina, e não do terror da disciplina, como ocorria na República Velha (época da palmatória). A disciplina que respeita a diferença e inclui todos tem menos chances de provocar violência. Começava pelo uniforme. A mesma roupa para todos evitava a demonstração do fosso das situações sociais. Se não houvesse uniforme, os mais ricos poderiam exibir suas diferenças por meio de roupas melhores. O uniforme evitava isso.
O objetivo era punir a irresponsabilidade por meio da reprovação e da exigência do estudo e do incentivo à meritocracia. Quem não fosse um atleta poderia se destacar nos estudos. Quem fosse pobre, ou com problemas pessoais, estava incluído. Só havia expulsão no caso de transgressão radical, atos de vandalismo ou coisas assim. Escola paga, na época, era sinônimo de facilidade, o que não fazia justiça a excelentes colégios católicos e protestantes. No geral, a diferença era enorme: uma escola pública era a referência do ensino e para ela convergiam os melhores professores e alunos. Os resíduos desse sistema ainda sobrevive, aos trancos, em algumas universidades gratuitas, como a Usp, a Uerj, a Ufsc, a Ufrgs. Na Usp, segundo depoimento de alguns alunos, está faltando o básico, já que o espaço físico está sucateado.
O sul-coreano que estudava inglês na unversidade da Virgínia era excluído por ser estrangeiro, por ser pobre e por ser identificado com a invasão do resto do mundo à cidadela americana. O assassino tinha ódio dos alunos ricos, profissionais da exclusão. Refugiou-se então na pior porção da sua nacionalidade. Uma das fotos que ele distribuiu (reproduzida acima) mostrava um gesto copiado de um filme do seu país, de um personagem que sofreu injustiça e acabou se vingando de todo mundo. A nacionalidade é o refúgio dos exilados. Integrar-se em outro país é ser aceito e isso não ocorreu com o estudante que queria ficar na América.
Em Columbine, os garotos assassinos também se sentiam excluídos. Não eram cool, ou seja, não estavam in, não participavam dos grupos mais prestigiados. Se sentiam fora do sistema e acumularam tanto ressentimento que acabaram explodindo tudo. O debate, sempre que estoura um problema desses, é sobre a dúvida se devem vender armas a torto e a direito ou não. A essência do problema não é essa (apesar da facilidade, claro, contribuir para os crimes). O foco é o sistema de exclusão, que permite que hajam nichos hegemônicos nas instituições de ensino, tanto entre professores quanto entre alunos e funcionários. Criar um ambiente de meritocracia, inclusivo, atento ao acúmulo de ódio que possa existir, é a solução mais óbvia, e talvez por isso a menos lembrada.
Os Estados Unidos precisam se definir como nação. Invadiram e bombardearam o mundo enquanto continuam sendo uma terra de oportunidades para todos os povos da terra. Precisam trabalhar a xenofobia em seus sistemas institucionais e promover a integração antes que seja tarde demais. Vimos o que aconteceu em Paris, quando a garotada do Terceiro Mundo colocou fogo nos automóveis durante semanas. Você não pode posar de democrata e promover a ditadura interna. É difícil? Se fosse fácil, não seríamos o que somos, humanos em eterno conflito.
RETORNO - Lula recebe o PSDB e elogia FHC. Disse Tasso Jereissati no encontro: “Fazer oposição não é xingar, gritar, ameaçar. É estar contra no momento certo". Lembro o general Médici, que no auge da repressão disse: oposição é para se opor, se oponham. Ou seja, o velho esquema MDB/Arena, da oposição consentida (quem é mesmo de oposição acaba sendo eliminado) continua
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