Recebo visita apenas de evangélicos que querem me ler a Bíblia. Eles passam no domingo, quase que uniformizados, com chapéus e pastas e têm aquela certeza de que estão disseminando a boa nova ao gentio. Costumo invocar a Virgem Maria para fazê-los desistir. Mas eles voltam, insistem. Lembro da abordagem dos vendedores de enciclopédias, agora mais raros, mas que continuam na ativa. Os professores estão exigindo fontes impressas, para acabar com o plágio tirado da internet. Então os vendedores continuam oferecendo seus volumes de luxo. Eu também entrei na roda. Ofereço meu livro de conto e crônicas para os que passam, para a vizinhança, para os trabalhadores do comércio, para conhecidos e até mesmo alguns turistas, esses mais avessos à leitura, pois preferem sorvete e cerveja, o que está nos seus direitos.
Um livro não é necessário, ainda mais um que publiquei. Preciso convencê-los de que estão adquirindo uma seleta de crônicas que têm tudo a ver com o mundo que os cerca. É uma relação poética com a paisagem, digo em meus argumentos. Para quem exibe uma reação avessa logo no primeiro olhar, nem insisto. Mas para quem oferece dúvidas, entro com minhas palavras sobre o livro. Por que eles teriam que adquiri-lo? Porque é bom e o autor está na sua frente. Isso tem grande poder de persuasão, pois muitos nunca viram um autor ao vivo. Normalmente há gentileza, mesmo na recusas. E um certo entusiasmo quando se convencem. É bom conquistar leitores.
Enquanto isso, alguns exemplares que deixei em livrarias continuam lá, concorrendo com todos os best-sellers do mundo. Um autor veterano e ainda emergente não tem muita chance diante da avassaladora presença de títulos variados, apelando para as necessidades do leitor. Quem roubou meu queijo? Maria Madalena é o Santa Graal? Jesus, o maior psicólogo que já existiu. Sexo é prosa, amor é poesia (ou algo assim). Não há perigo de melhorar. Em compensação, aperto a mão do poeta e artista Rodrigo de Haro, filho do pintor maior Martinho de Haro, que me confessa ter perdido duas noites de sono lendo O Refúgio do Príncipe. Elogiou as imagens vivas e fortes e isso me deixa feliz, pois Rodrigo é poeta excelente e importante e tem uma erudição transbordante, que nos cativa na conversa.
É a segunda vez que saio à luta para vender meu peixe. Fiz isso antes, com poemas em cartolina, expostos na Praça da Alfândega,
Sou o vendedor do meu livro. Trago imagens debaixo do braço que ficarão na tua cabeceira, na rede onde descansas as retinas. Alguém da tua família poderá ler também. O livro assim cumpre seu destino e vai se disseminando aos poucos, como água da fonte vinda da montanha que pela primeira vez experimenta a planície. Há ruínas pelo caminho. Há indecisões, arrependimentos, medos. Mas há também penhascos à beira mar, quando enfim as palavras deságuam no grande estuário da humanidade. É muito para um livro feito aos poucos, nessa minha providencial mudança para Florianópolis, cidade que amo entre várias outras. Sou o vendedor do meu livro. Faço preço especial para quem compra direto de mim. São meus direitos autorais que tiro
RETORNO - Imagem de hoje: Fada Madrinha, pintura de Juliana Duclós.
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