11 de fevereiro de 2007

MARIA CLARA, ANO DOIS


Vistas assim de longe, todas as crianças se parecem. Só com a proximidade do convívio, o privilégio de ter a infância por perto, é possível descobrir todas as nuances das criaturas recém chegadas. Há sempre o perigo de a criança ser vista de maneira superficial, tendo sua imagem formatada pelas observações alheias, que acabam definindo coisas nada a ver. O segredo é ver, não a miniatura de uma pessoa, mas uma pessoa inteira, com todas as suas nuances e diversidade. Com minha neta Maria Clara tenho participado desse desabrochar de luzes que é o crescimento infantil. Hoje, 11 de fevereiro, é seu aniversário. Dois anos de guriazinha.


O vocabulário é silábico, com cada conjunto de letras servindo para inúmeros significados. Estes, são insistentemente invocados, pois é preciso reproduzirmos a palavra inteira que a sílaba sugere. Assim, se ela aponta para a pata do ursinho branco que ganhou de presente e diz pá, pá, precisamos comparecer com é, é a pata do ursinho. Já passamos da fase intensa da flor, em que flô/flô era dito a cada miliseguindo, durante horas. Mas temos o go, que é o iogurte, o babão, que é o balão, o Mô, que é tanto música, melancia quanto o boneco da sua casinha que ganhou de Natal. E por aí vai. É um longo aprendizado, esse da linguagem, que começou com o treinamento das várias possibilidades de som emitido pela garganta, isso quanto tinha meses. Agora a linguagem assoma para língua e dentes e estamos prestes a ouvir frases inteiras, que se esboçam, quando estamos distraídos (as crianças gostam de ter seus segredos).


Na praia há a engenharia da areia, com muros, canais e bolos. E grandes buracos para que a onda chegue com sua providencial armazenagem de água, onde ela se atira ou molha uma de suas Tatás. Sim, as bonecas de pano, de várias cores, são todas Tatá. Ontem a brincadeira era colocar uma das Tatás, das grandes, embaixo do cobertor e perguntar onde ela estava. Quando a brincadeira está no auge, os adultos costumam roer a corda, prestar atenção em outra coisa. É hora da manha: sobrolho carregado, biquinho, choramingação forjada, coisas que se desmancham bastando ceder um pouco.


Mas sua vocação, parece , é a dança. A música realmente mexe com ela. Ontem fez uma coreografia impossível: em volteios, foi se abaixando ao som do que ouvia, até quase encostar no chão. Mas não caiu nem nada. Voltou à posição normal, em curva, numa graça só. Num de seus passeios favoritos, na calçada do centrinho aqui da praia, ela se apresentou num espaço iluminado, enquanto escutava a pequena banda do restaurante tocar. Ela sabe que lá existe mô. Então vai sempre para aquela direção, onde coreografa vários passos inéditos.


Ritmo, melodia (tem uma berceuse tocada ao piano que ela adora) e água são suas paixões. A onda (má é mar), a piscina, e todos seus brinquedos dentro dela fazem parte da paisagem de verão. Santo verão, que já começa a se despedir com algumas rajadas de vento frio e chuva fina. É cedo para o outono. Estamos ainda no início de fevereiro (e já no seu final, mês tão escasso esse). Dai-nos a bênção, Senhor, do clima ameno e da infância feliz.


RETORNO - Imagem de hoje: Maria Clara e a flor, foto de Juliana Duclós.

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