16 de agosto de 2006

O SONHO É VERMELHO





Vermelho é conflito, cor de sangue, e representa a ruptura com a realidade imposta e construída. Tanto no entusiasmo dos colorados, com a rubra vontade de vitórias na atual fase do campeonato, quanto nas bandeiras que foram alçadas nas revoluções, existe a mística de um sonho possível, que confronta o consenso.

No filme Adeus, Lênin (2004), a Alemanha Oriental desconstruída é recosturada por um filho fiel, que não quer ver a mãe sofrer com as mudanças ocorridas durante seu longo coma de oito meses. Filme de equilíbrio perfeito entre a ilusão e a avalanche das transformações, trata-se de uma ironia: o que era para ser mudança vira passado e o que era considerado ultrapassado e decadente arromba o muro com um movimento popular irreversível.

O diretor Wolfganger Becker, criado na parte ocidental da Alemanha, inverte o processo histórico para dar uma chance ao que se foi. É tocante esse drama carregado de comédia, que tem atores magníficos como o jovem veterano Daniel Brühl e a star revelada pelo regime deposto Katrin Sab.

Lênin ensinou como se faz: basta denominar a revolução democrática de revolução burguesa e dar um golpe de estado para implantar uma ditadura. Chamaram isso de socialismo, mas nada tem a ver. É ditadura mesmo, desmascarada pelo Tempo. Levou de roldão o sonho vermelho e hoje estamos na mesma, ou pior, do que antes de 1917. Tomar conta do aparelho do estado, coisa que foi feita no Brasil desde 1964, com radicalização nos últimos anos, é significativa de um golpe.

O filme apresenta duas versões da mentira: a que é mostrada para a mãe em estado terminal, e a situação familiar, em que um pai ausente no fundo é inocente do crime de ter abandonado a família. Apresenta também duas versões da verdade: a que existe nas ruas, nos prédios e nas pessoas, e a proposta de um socialismo para valer (aquele que está dentro da protagonista, que abraçou a causa sem saber que era mal vista até pelos seus pares). Neste caso, o socialismo é a infância da humanidade, identificada com o voluntarismo (fingido) dos escoteiros, e sua velhice, incorporada pelos militantes vetaranos que viram suas vidas escoarem pelo ralo.

Como este é um jornal movimentado, vamos a mais um poema inédito.

FLERTE

Nei Duclós

Sei que não mereço
mas ao te olhar
emagreço

Imagino o teu desprezo
mas nada pesa
o desejo

O coração ainda é o mesmo
Flutua quando estás
perto

Se me perguntas por quê
em vez de correr
escrevo

É para não mais te perder
minha quarta folha
de trevo

RETORNO - 1. Meu ensaio "O Poeta absoluto", sobre "A Imitação do Amanhecer", de Bruno Tolentino, está publicado com destaque na revista Cronopios, editada por Edson Cruz. 2. A imagem é da impressionante cena em que a mulher em estado terminal (Katrin Sab) se depara com a estátua de Lenin sendo removida por um helicóptero.

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