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No coração seco e enterrado, não há motivos para admirar o talento. É uma tragédia, pois as manifestações do talento são o único lugar que podem transcender essa vida de aniquilamento a que se dedicou a humanidade. Erradicar o talento é um ato facilitado por várias causas. Uma delas é a inveja (por que o Outro e não eu?), outra é a incompreensão (de onde vem esse dom?), mas a pior é a vontade de destruir o que pode desmascarar a mediocridade. É por isso que a mediocridade fareja o talento. É uma questão de sobrevivência. Qualquer manifestação da graça poderá acabar com o poder exercido pelos medíocres. O pior é que o talento não tem autodefesa, pois precisa de espaço e liberdade para acontecer. Por isso os gênios caem e só são considerados quando não oferecem mais perigo.
Mas há talentos tão vastos que conseguem em vida se impor, mesmo sofrendo o ataque severo da maldade. É que o esforço para fazer o próprio talento acontecer vem misturado com uma carga de ira justa, o que acaba derrubando paredes. A grande dificuldade não é reconhecer a genialidade, mas não admitir que o talento se espalhe por todo o canto. Cada um tem uma semente da grandeza, mas ela é continuamente assassinada. Ou então se manifesta de maneira precária. Ou é ceifada ainda em vida. Ou não desabrocha totalmente ou então consegue acontecer mas não tinha muito a crescer.
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Sou suspeito. Não que gostasse de Darin assim do jeito de sua biografia me agradar. Mas o filme me revela uma pessoa completa, trágica, que sofreu e que cantou magníficas canções, a começar pela que dá título ao filme. Sou suspeito porque os musicais americanos me embalaram a vida toda. De Sweet Charity a West Side Story (obras-primas absolutas), e toda a galeria de Fred Astaire a Gene Kelly, fui levado pela mão para o corpo em movimento e as canções inesquecíveis. Kevin tem traços de Bob Fosse na direção e faz um filme todo ele baseado na técnica do distanciamento brechtiano, em que os atores narram seus personagens. Não entendo porque dizem coisas como Kevin está velho para o papel ou que ele não sabe cantar ou dançar. O cara é ator, será que não vão descobrir a natureza do ofício? Inclusive a idade e a performance ajudam no distanciamento: você sabe o tempo todo que é Kevin interpretando Bobby e isso é inteligente demais para os preguiçosos.
Aqui, além do mar, existe um lugar onde o talento se manifesta e onde é possível conviver. Não fosse o talento, estaríamos na idade da pedra. O mau uso da genialidade está deitando tudo a perder. Para resgatar o que se foi, é importante admitir o talento alheio, submeter-se à arte que vem de fora e que só vai te engrandecer. Ame o que se manifesta muito além do horizonte e traga para junto de você a força que despertará os talentos pessoais, escondidos e enterrados exatamente por essa decadência que é tentar derrubar o talento alheio. Veja Kevin Spacey cantando e dançando com Kate Bosworth, que faz o papel da esposa de Darin, Sandra Dee. E cante comigo: Somewhere beyond the sea/ Somewhere waiting for me...
RETORNO - Na foto maior, Kevin e Kate, interpretando Bobby e Sandra (na foto menor).
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