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12 de novembro de 2005
LIVROS DE MEMÓRIAS
Tenho predileção pelos livros de memórias, sejam quais forem. Meu Érico Verissimo favorito é Solo de Clarineta, apesar de O Continente ocupar o pódio das minhas leituras mais importantes. Mas meu favoritismo se inclina menos para os grandes memorialistas. Gosto mesmo é de memórias de pessoas que sumiram do mapa da memória coletiva, principalmente os que enfrentaram alguma guerra (e como tem guerra na História do Brasil, é impressionante). Sinto grande sensação de vitória quando consigo um exemplar de um lutador muito oculto, tenha alcançado a fama um dia ou não. Gosto de lembrar o dia em que minha professora da USP (e mais tarde, minha orientadora do doutorado) lamentava que não existia mais em lugar nenhum as memórias de João Alberto, o militar revolucionário dos anos 20 e mais tarde interventor em São Paulo e ministro da Era Vargas. Como eu freqüentava os sebos que existem perto das Arcadas, no centro de São Paulo, garanti que eu possuía o tesouro. A professora Nanci é uma das mais brilhantes e contundentes historiadoras do Brasil (seu livro, jamais publicado devidamente, Forças Armadas no Brasil Colonial, é um clássico). Vi como, com sua figura pequena e aparentemente frágil, ela esmagou com argumentos os historiadores militares de um seminário, sem confrontá-los, apenas exibindo a força do seu conhecimento. Pois bem: ela fez pouco do que eu disse sobre João Alberto. Deves ter o livro do João Neves da Fontoura, falou, certa de si. Esse eu também tenho, repliquei. Então me mostre, disse, me desafiando.
SETEMBRINO - Na aula seguinte levei um xerox vistoso daquelas andanças de João Alberto, o cara que se despediu da esposa e do filho pequeno em Alegrete, onde estava servindo, no ano de 1924, e foi fazer a revolução fora da cidade. Era da Artilharia e apontou o canhão para a cidade, tendo o cuidado para que as balas chegassem bem longe da família. Guardei o xerox na pasta e mostrei o original para ela. Você tem mesmo o livro! exclamou a professora. Você me empreste que eu vou xerocar. Não precisa, já xeroquei, disse eu, enquanto pegava de volta o livro precioso. Quanto custou? perguntou, objetiva. Nada, respondi, fazendo pose de cdf. Esse é um presente para a senhora. É um dos meus orgulhos. Depois de anos procurando, li, a partir do xerox de um exemplar existente no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), da USP (lá tem tudo!), Memórias: apontamentos para a história do Brasil, do uruguaianense Marechal Setembrino de Carvalho, o ministro da Guerra da República Velha. Sua descrição da estratégia que usou no Contestado é uma aula de História Militar. Gosto também de livros de viagem que são, praticamente, memórias, como Viagem ao Rio Grande do Sul, do Conde D'Eu, que fala detalhadamente sobre a paisagem uruguaianense antes da rendição da cidade, na guerra do Paraguai. A viagem de navio pela Lagoa dos Patos, depois a pé e a cavalo, os detalhes do percurso de Dom Pedro II (que depois usei num poema), tudo é extremamente saboroso, pois o município é visto ali de uma maneira única, e vale a pena ser lido hoje, especialmente pelos conterrâneos. Li um livro de viagens de um estrangeiro que visitou São Paulo, de onde tirei a informação que no Jaraguá, nos arredores da cidade, foi descoberto ouro no Brasil pela primeira vez. São informações que vemos ali, naquelas páginas antigas, pela primeira vez.
REVOLUÇÃO - As memórias de João Neves, que citei acima, é um esplendor: tudo sobre Porto Alegre no inicio do século vinte e final do 19, quando se formou portentosa geração de estadistas. As memórias do Almirante Custódio de Mello são exemplares na descrição de fatos que eu nunca tinha entendido antes direito. O que houve afinal na década de noventa do século 19, quando irrompeu a guerra da degola? Custódio decifra o engima. Um pequeno livro, que me custou uma nota, com fotos sobre a revolução de 1924, escrita por um padre, é uma das minhas raridades. Sob a metralha, narração tendenciosa sobre o mesmo evento, escrito por dois jornalistas, também com fotos incríveis, é outro destaque. Um dia ampliei essas fotos e fiz um seminário na Licenciatura da USP sobre essa guerra. Ninguém sabia de nada. Todo mundo acha que no Brasil nada acontece, é tudo arreglo. Houve guerra adoidado. E as memórias, tão esquecidas, daqueles guerreiros, ainda pulsam, como um sol obscuro irradiando um passado pouco compreendido.
LUSARDO - Faltou dizer o mais importante. Em 1980, quando li primeiro volume de Lusardo, o Último Caudilho, de Glauco Carneiro, é que comecei a ir atrás das memórias. Foi fácil: rastreei a bibliografia do livro de Glauco, a quem agradeci anos mais tarde pelas revelações contidas naquela obra. Para mim, Lusardo inaugura minhas leituras sobre fatos históricos. Descobri nesse livro o quanto eu nada sabia de Brasil. Glauco dá uma bela aula sobre o país na primeira metade do século 20. É claro que quando li Joseph Love em O Regionalismo Gaúcho, citado por Glauco, entre outros livros, entendi melhor o processo revolucionário que levou Vargas ao poder. Mas Lusardo é um livro fundamental, porque descreve com minúcias, num texto maravilhoso, aquele tiroteio todo. Foi muito criticado, claro. Bons escritores, que são grandes repórteres e que se debruçam sobre vidas valorosas, acabam batendo de frente na parede nua da indiferença e da idéia pronta. Mas existem nós, os leitores, gratificados por trabalhos como esse, e é isso o que conta.
RETORNO - Coincidindo com o assunto de hoje, recebo mensagem de Graça Lisboa Pereira da Silva anunciando lançamento na Feira do Livro de Uruguaiana: : "Vou lançar no dia 1º/12 às 20horas o meu livro Nos Caminhos do Mundo. Neste nº1(terei mais outro) será sobre alguns países que visitei e trabalhei com causos de viagens sobre pessoas interessantes que convivi e conheci". Graça é irmã de Fernando, que já nos deu livros saborosos de histórias e memórias da nossa cidade.
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