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16 de novembro de 2005
OS TIPOS E AS PESSOAS
Num só dia tive a oportunidade de me defrontar com duas manifestações do escritor de sucesso Arnaldo Jabor. A primeira foi de manhã, no Estadão, onde ele compara o Brasil a Portugal do século 19, sem tirar nem pôr, via Eça de Queiroz, que teria decifrado todas as nossas mazelas ao achincalhar com os tipos que formam o imaginário ancestral, que estaria vigente até hoje no Brasil. O país da triste figura seria assim uma cópia do que Portugal tem de pior, velha tese dos que odeiam o chamado brasileiro (das qualidades portuguesas poucos falam, a não ser para destacar nosso papel subalterno diante da Metrópole). Nesse texto, liso com suas facilidades de um guru de auto-ajuda, o autor revela as convicções que orientaram mais tarde seu cinema, todo ele fundado no horror da vida nacional e na falta de caráter das pessoas que aqui habitam. À noite, no seu espaço cativo na TV Globo, a coisa mudou. De toda a canalhice nacional, se sobressai essa figura que é o ministro Palocci que, segundo Jabor, não pode ser vilipendiado por antigos assessores cheios de inveja, dos quais ninguém teria coragem de comprar um carro usado (imagem roubada da campanha contra Nixon). Palocci é um homem de bem, diz o animador cultural, e se cedeu à caixa 2 não fez mais do que todos os políticos fazem. O Brasil deveria agradecer a esse portento, que manteve o arrocho contra o povo, contrariando assim o dito bolchevismo de gente como José Dirceu e José Genoino, definidos por ele como malucos. Quer dizer que só temos tipos, nunca pessoas, somente caricaturas das mazelas brasileiras? Com exceção, claro, de Palocci, esse homem que arranca aplausos entusiasmados do privilegiado colunista global, que ao proferir suas gracinhas costuma cantar, imitar vozes, fazer gestos significativos com as mãos, tudo sob a capa protetora do penteado grotesco de um palhaço Bozo tratado em cabeleireiro de madame.
SACANAGEM - Jabor é o pensamento prêt-a-porter a serviço do poder (a ditadura financeira). Foi o arauto maior do neo-liberalismo da era FHC e hoje se locupleta com as denúncias contra o PT, tentando salvar a imagem de membros do governo que estejam de acordo com seu figurino imutável. Eça é um gênio da língua, mas entendia mesmo era de Portugal. Deu seus pitacos sobre a América Portuguesa, tendo inclusive deitado e rolado sobre nossa Proclamação da República. Não somos Portugal, apenas sua herança, transformada por uma vida complexa, que levou gerações definindo um outro país. A idéia da existência do brasileiro, essa criatura do mal que ousa atrair o conceito de Brasil soberano, costuma provocar arrepios na canalha entreguista, que adora a divisão do país em grotões federativos, muito mais fácil de manipular. Os guetos étnicos estão mais fortes do que nunca. Nunca fomos tão italianos (a festa da dupla cidadania), espanhóis (a começar pelo Ronaldo Fenômeno, que acaba de jurar a bandeira espanhola), alemães (meus Deus, como trabalham!), japoneses (que feras, como são eficientes), americanos (como é bom fazer parte do Império). Enquanto isso o brasileiro, e principalmente a brasileira, são seres prostituídos e preguiçosos, que não merecem o país onde vivem. Acho que é preciso acabar com essa sacanagem. O Brasil é uma obra magnífica de nacionalidade, síntese de muitos povos e nações, e que adquiriu identidade própria depois de séculos de guerra e suor. Seja nacionalista para você ver. Terás como companhia o ranger de dentes tanto da direita (que se apropriou da idéia de Nação) quanto da esquerda (que adora eliminar fronteiras).
CHUPA-CABRA - Silvio Abreu, o autor da novela Belíssima, cometeu mais uma. Ontem, o famigerado Tony Ramos fez uma longa preleção sobre iniciação sexual masculina para um pobre pivete, baseado integralmente em Fellini (Amarcord e Oito e Meio). Ele descreve a cena dos garotos que queriam comer a gigantesca mulher que se oferecia na cama. Abreu não cita, chupa. Parece que isso é normal em televisão. A Diarista de ontem, vi pelo trailer (não aturo mais aquela série), foi integralmente copiada do filme O Recruta Benjamin, com Goldie Hawn. O monopólio se circunscreve a poucos autores, que ganham milhões e não deixam ninguém entrar. O círculo de ferro exclui autores emergentes, que poderiam renovar a dramaturgia da telenovela. Como quem está na mamata é limitado, a saída é copiar quem quer que seja. Vimos recentemente como a série Carga Pesada se repetiu com a situação da mulher espetacular que quase consegue conquistar um dos dois caminhoneiros, mas sempre dança diante do casamento indissolúvel de Pedro e Bino. Eles são o verdadeiro casal e tocam-se por meio das mulheres que encontram na estrada. Fazem confidências conjugais. Agora é a vez de outra dupla, Acerola e Laranjinha, numa tal Cidade dos Homens. Na Globo, todo homem é um banana a serviço das neuras femininas e vice-versa. São só tipos, caricaturas. Não há gente de verdade. Eles não acreditam no brasileiro.
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