14 de novembro de 2005

A CONSOLIDAÇÃO DA REPÚBLICA




Tenho evitado falar na crise política. Prefiro aguardar o desfecho de alguns episódios, pois me custa seguir a procissão de más notícias. O que me assusta mesmo é o império da bandidagem, se espalhando pelas instituições e nas rotinas da população. Não consigo atinar com tanta incompetência e defaçatez. Querem implantar uma usina de álcool no Pantanal, desviar as águas do São Francisco, construir mais usinas nucleares. Soltam homicidas, que voltam a matar. Marmanjos bem fornidos pegam meninas pobres na saída da escola. Personagens das novelas pagam prostitutos e acham a maior graça. É preciso andar com cuidado em todo lugar, pois sempre tem alguém querendo te acusar de alguma coisa. Como não se respeitam as leis, tudo tem que ser negociado a cada minuto. Aprendi a ter paciência, a não me meter em encrencas. O verão está chegando e a infra-estrutura do litoral é o caos diante da avalanche de pessoas. O que vai dar tudo isso? Prefiro aproveitar o feriado do dia 15 de novembro e falar sobre o início da República, que foi consolidada depois de uma longa guerra. Dizem que o Brasil faz tudo na base do acerto, mas não é verdade. O pau sempre correu solto. Vamos ver do que se trata.

PARAGUAI - A República foi decretada em 1889 a partir de um desfile militar, assistida pelo povo bestializado, segundo um cronista da época. Essa é a imagem que ficou, graças à pobreza da nossa historiografia. O movimento foi deflagrado depois de décadas de militância republicana e veio à tona a partir de um erro grave do Império, o de não solucionar de maneira competente a Questão Militar. Quando Deodoro deu início à parada, fiel aos seus hábitos, dizem, gritou: Viva o Imperador! E derrubou-o. Para evitar que a gafe fosse ouvida, Quintino Bocaiúva teria mandado dar uma salva de tiros. Os militares não queriam que o Conde D'Eu tomasse o poder, via casamento com a princesa Isabel. Tinham provado do seu estilo quando, depois de vencida a Guerra do Paraguai pelo Duque de Caxias, o então príncipe D'Orleans e Bragança desencadeou o genocídio, acabando assim com a imagem da campanha militar, que custou sangue, vidas e dinheiro ao Brasil, que foi invadido primeiro (em Mato Grosso e em Uruguaiana). Gostam de dizer que guerra foi invenção da Inglaterra. Pode até ser. Mas quem lutou foram os brasileiros. Hoje, em plena época de desconstrução da soberania, sobram exclamações dos amadores que adoram vilipendiar a participação do Brasil no conflito. É preciso respeitar a experiência dos que nos precederam. Uma guerra não é feita apenas de sanguinolência e covardia. Há bravura. Longe de nós qualquer guerra, mas nosso pacifismo não deve servir de insumo para caluniar os guerreiros, que foram à luta pressionados pelas circunstâncias.

BRAVATAS - É preciso falar sobre essas coisas. Vemos Chávez com suas bravatas contra os Estados Unidos, armando-se até os dentes com a indústria militar eslava, dizendo que se for invadido sustentará uma guerra de cem anos. A Venezuela pode ser tomada pelo telefone, como gostava de dizer o Paulo Francis sobre arroubos semelhantes. Há uma ilusão de Nuestra America, com o Maradona, que despreza o Brasil, à frente, mas lutamos contra os hispânicos por 400 anos. Disputamos território palmo a palmo e hoje existe paz porque há fronteiras. Mas até quando? É bom lembrar o quanto nos custou ter uma República num país imenso como o nosso. Sua implantação custou uma guerra de quase dez anos. Foi assim: o Marechal Deodoro, eleito pela Assembléia Constituinte (que depois da posse virou o Parlamento regular) desentendeu-se com os políticos e deu um golpe de estado, dissolvendo o Senado e a Câmara. Esse ato foi saudado por todos os governadores das províncias, que enviaram telegramas apoiando o golpe. Mas o movimento fez água. O Almirante Custódio de Mello, que fazia parte do governo, apontou os vasos de guerra contra o Rio de Janeiro. Deodoro recuou e seu vice, o Marechal Floriano Peixoto, assumiu o poder. Quando isso aconteceu, as oposições dos governos provinciais invadiram os palácios e derrubaram os governadores que tinham apunhalado a República. O que fez Floriano, segundo Custódio? Deu força para quem tinha saudado Deodoro. Teria seus motivos, pois não poderia compactuar com a derrubada dos poderes provinciais. Isso conflagrou o país.

TIROTEIO - Houve luta de norte a sul e várias cidades foram bombardeadas. Julio de Castilhos, no Rio Grande do Sul, que tinha apoiado o golpe, foi derrubado. Sucedeu-se então uma procissão de governichos, até que Castilhos voltou ao poder. A guerra então instalou-se no Sul, com a participação inclusive de mercenários hispânicos. Só em 1895 houve paz novamente. Mas prefiro contar os anos de conflito até a revolta de Canudos, já bem no final do século, quando o Exército precisou deixar de lado o improviso e sustentar uma guerra gerenciada com competência para acabar com as insurreição. Foi um massacre, como nos conta Euclides da Cunha no capítulo de História Militar, A Luta, de Os Sertões. O resultado da longa guerra foi a instalação de uma ditadura civil, a chamada República Velha. Pontuada por instabilidades, especialmente na época do Salvacionismo Militar nos anos 10, acabou depois de outra longa guerra, de 1922 a 1930, quando então Getúlio Vargas assumiu o poder. A Revolução de 30 foi uma perfeita conspiração política aliada a uma bem sucedida estratégia militar, liderada pelo então-tenente coronel Gois Monteiro. Foi o início de novo período de revoltas, como a de 1932, a guerra paulsita, a de 1935, a tentativa de golpe de estado por parte dos comunistas e a de maio de 1938, o putsch integralista de Plinio Salgado, que cercou o Palácio do Catete a balaços. O problema é que todas essas guerras são encaradas de modo isolado, não fazem parte dos processos históricos, quando se presta atenção em outras coisas, igualmente importantes, mas não hegemônicos. Para mim, História é tiroteio. O resto é armazém de secos e molhados.

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