21 de outubro de 2017

SBH SOBRE CABRAL: O RITMO CONTRA O FORMALISMO



Nei Duclós

Parafraseando a canção, leio devagar porque já tive pressa e acabei acumulando detritos na percepção, nos conceitos, na cultura pessoal. Por isso li várias vezes o ensaio de Sergio Buarque de Holanda sobre João Cabral de Melo Neto, que pode compensar o tempo perdido. Ao mesmo tempo, se isso serve de consolo, nos revela como a massa crítica que se forma em torno de alguns grandes autores acaba reproduzindo, até sem dar o crédito, o que SBH diz em 13 páginas do seu livro Cobra de Vidro (Perspectiva, 1978).

SBH confessa que ficou desconfiado com os primeiros livros de Cabral, Achou que poderia ter um truque em tanto rigor e disciplina na raspagem vocabular em busca de um ritmo que quebrasse a monotonia do equilíbrio herdado pelo cânone da poesia. Um consenso consolidado principalmente a partir do Renascimento, que inventou nova ilusão ao tratar a superfície como terceira dimensão, sob o pretexto que estava rompendo com a velha hierarquia das formas na arte.

Foi no livro sobre Joan Miró, de Cabral, que caiu a ficha de SBH, pois tamanho rigor e dedicação não resistiria a uma contrafação. Ele defende a ideia de que a crítica serve para estabelecer pontes, como entre a prosa e a poesia, tida como intransponível. Sabe que é uma tarefa árdua, mas vale-se do seu mestre, Max Weber ao dizer que "a única sabedoria ainda compatível com nossa fraqueza humana esta em tentar chegar o mais perto possível da meta ideal". Justifica-se ao definir a certeza absoluta sobre algo como uma armadilha dupla: por não estar ao alcance da mão, é abandonada, ou se está sob aparente domínio então não há necessidade de alcançá-la.

Usando o texto sobre Miró como farol para iluminar a grande poesia de Cabral, ele encontra provas contra o aparente formalismo, que era o equívoco costumeiro da crítica sobre os primeiros livros do poeta. Não há formalismo pois há busca incessante do ritmo, limpando as heranças e as ferrugens da linguagem até chegar à essência, fora da tradição e da descoberta para inaugurar um processo permanente de invenção.

Não é complicado, apenas complexo, sofisticado. SBH neste ensaio e no de Drummond, que estou relendo, invoca muito a inteligência na poesia, para que essa arte alcance seu ponto máximo num país que costuma se entregar ao versejar fácil. Lições dos mestres que não devemos esquecer jamais.

Nei Duclós

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