11 de outubro de 2017

MAIS MANUEL BANDEIRA

Nei Duclós

Ainda estou no começo do segundo volume das Crônicas Inéditas de Manuel Bandeira, lançado em 2009 pela Cosac Naify (*), mas não consigo calar-me diante de tantos detalhes importantes nos ensinamentos do Mestre.

Vejam o caso da análise que faz de alguns termos da moda usados pela crítica cinematográfica no início dos anos 1930. Ele aborda a etimologia da palavra sophistication, muito usada nos textos sobre a Sétima Arte como sinônimo de fino, chic. Mas como ela se origina dos sofistas, trata-se de alguém dissimulado, oblíquo, com segundas intenções, que eram como os sofistas, segundo Platão, se comportavam. Sofistas e Platão num artigo sobre crítica de cinema? Pois então. Faz uma ressalva para Greta Garbo, toda envolvida em sofisticações, mas que punha paixão nelas, o que era raro.

É hilário, contundente e revelador o que ele diz sobre o concurso O Mais Belo Conto, promovido pelo Jornal do Brasil para autores de todo o Brasil. O mais belo conto, diz na abertura do texto, é o conto de réis. Naquele tempo, os jurados liam mesmo os concorrentes, não é como acontece muitas vezes hoje, em que os vencedores já foram assinaladas pelos agente literários e as grandes editoras, todos à mercê do braço "cultural" da indústria financeira, tão ciosa em cacifar eventos de lavagem de dinheiro. Há os concursos sérios, como há os safados.

Bandeira diz que a pobreza de espírito se manifesta em contos que usam a expressão "de quando em vez" (cuidado com ela, diz). E reproduz, como anedota, o concorrente que conta a história de um sapateiro que levou dois anos para entregar um conserto. Deus levou seis dias para criar o mundo, disse o cliente. "Também faz favor de comparar!" reclamou o profissional do couro.Chegou a ser tentado a premiar o conto, mas aí teria de dar o segundo lugar para o outro que começava assim sua história: "Dealbava". E abria novo parágrafo.

Bandeira diz que a má literatura é mais didática do que a boa. Pois esta leva ao plágio enquanto a ruim mostra como não fazer. Isso serve para os textos sobre literatura. Li num jornal do ramo um artigo que em vez de reescrever os parágrafos, se entregava à redundância mas cuidando para obter sinônimos diversos para o clássico verbo dizer. Opina, acrescenta, comenta,pondera, continua analisa. A redundância continua lá, apesar do esforço de dicionário.

Ao escrever sobre o decreto que transformou Ouro Preto em monumento nacional, Bandeira fala sobre a preservação do passado por meio de políticas públicas, lamentando também, em outro artigo, o que fizeram no Recife e no Rio, esta definida apropriadamente como uma favela de arranha-céus.Diz que o plano de restauração do Rio, criado por Alfred Agache, urbanista de renome internacional, definia algumas linhas mestras para manter a cidade com o charme o carisma do seu passado sem descurar da modernidade, e que nada foi seguido. Se ele visse o que o Brasil se transformou hoje certamente teria um colapso.

Fala também do caso do padre que queria destruir a obra de Aleijadinho por ser inadequada aos sentimentos do bem e da virtude, pois seus personagens tinham a distorção, que Bandeira delimitou como inspirado pelo sofrimento transfigurado junto ao talento do gênio na velhice. Critica os bem intencionados que queriam acabar com as estátuas e defende a criação dos grandes artistas, que fazem o orgulho do Brasil secular.

Ao resenhar a obra de Onestaldo Penafort, diz que esse autor não se trata de um decalcador paciente e frio das formas de sentir do passado, que é o passadismo. Mas põe, "com a ingenuidade dos grandes poetas, o mais vivo de sua sensibilidade de homem moderno". Eis a diferença. Tenho insistido que meus sonetos (sem querer comparar nada) são do século 21 e que homenageiam escolas poéticas abandonadas do passado, usando-as como insumo para novas abordagens.

Muito irônico, Bandeira dá uma estocada em Marques Rebelo, que deveria evitar em seus contos os vícios que aponta em seus pares. E que a revista de Antropofagia não resistiu, como outras do gênero, pois "nem por comer gente se salvou". .

Vou continuar lendo e comentando esse volume de tanta riqueza cultural, cheio de revelações atualíssimas, que nos iluminam agora em que estamos às voltas com problemas ainda piores do que no passado.

Nei Duclós


RETORNO - (*) Sobre o primeiro volume  http://www.consciencia.org/neiduclos/o-poeta-no-eito

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