14 de outubro de 2017

A OFICINA LITERÁRIA DE MANUEL BANDEIRA





Nei Duclós

O que define o simbolismo? Manuel Bandeira, em magistral ensaio sobre Alphonsus de Guimaraes, esclarece que essa escola literária elimina a precisão, não a precisão formal, mas a dos objetos e sentimentos, substituindo-a pela sugestão; prefere o gosto musical ao escultural; e no vocabulário, caracteriza-se pelo aproveitamento da liturgia católica, sendo na essência uma reação espiritualista. E fecha sua brilhante argumentação dizendo que Guimaraes, sendo o nosso simbolista por excelência, exerce o verso livre como o praticaram Rimbaud e Laforgue, “isto é, o verso livre à imitação das canções populares”.

Temos aí um pacote teórico exposto em poucas linhas e de grande valor, nos dando ainda de lambuja a origem do verso livre. É muita coisa para um parágrafo só. Mas nesse livro Crônicas Inéditas 2, Bandeira no brinda com muito mais, especialmente em seu extenso artigo sobre a poesia americana moderna. Diz que os pais dessa poesia são Edgar Allan Poe e Walt Whitman, o grande poeta que abandonara, mesmo antes da Guerra da Secessão, a velha ordem a se desintegrar em poemas que eram eco sem vida da velha poesia formal inglesa.

Bandeira nos diz que Whitman repôs a poesia em contato com a vida, até nos seus aspectos mais vulgares. Mas, mesmo com esses dois grandes poetas pioneiros, a decadência da poesia americana prolongou-se até 1913, quando a revista Poetry colocou na roda Vachel Lindsay (“General William Booth entra no céu”, parece título de cordel), James Oppenheim, entre outros. E é lançada a primeira antologia dos imagistas, como Amy Lowell, Edgard Lee Masters, John Gould Fletcher e Carl Sandburg.

O que são os imagistas? Nesse extenso movimento há o estreito contato de encarar a poesia não mais como um simples ornamento da vida, e, sim, como sua interpretação ou expressão mais profunda. No aspecto formal, o abandono do vocabulário dito poético. Desaparecem os clichês, alguns modismos vocabulares, e a linguagem dos poemas passa a ser quotidiana. “E o verso livre domina com uma abundância que degenaria, como degenerou entre nós, em perigosa facilidade.”

E destaca muitos nomes femininos nesse ensaio, “igualando e até ultrapassando muitas vezes em quantidad e qualidade a produção masculina": Amy Lowell, Hilda Doolittle, Emily Dicksinson, Lizete Woodward Reese, Adelaide Crapsey, Haze Hall. Versos de Adelaide Crapsey no poema Tríade: "São três coisas silenciosas: a neve que cai, a hora antes do amnhecer e a boca de alguém que acabou de morrer”.:

Trata-se de uma oficina literária de grande valor. Bandeira não se conforma em apenas resenhar inúmeros poetas e nos esclarecer sobre os movimentos literários, mas também orientar os autores, aconselhando um a abandonar o verso livre em favor de uma estrutura mais formal, onde se sentiria melhor e mais seguro; aponta um autor que se esforça em ser lúbrico mas não tem vocação para o pecado, antes é um casto arriscando ser o que não é; e assim por diante.

Quem sabe ensina, e aprende quem tem juízo.



RETORNO - 1. Imagem: Bandeira pintado por Portinari. 

2. General William Booth Enters into Heaven
By Vachel Lindsay
https://www.poetryfoundation.org/poetrymagazine/poems/12631/general-william-booth-enters-into-heaven

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