1 de fevereiro de 2016

COCEIRA DO SÉTIMO ANO: O PRAZER E O PÂNICO





Nei Duclós


O encarregado de selecionar originais numa editora e prepará-los para agradar o público é diferente dos outros homens casados que ficam solteiros no verão novaiorquino. Ele conta com a imaginação, não precisa exercer sua liberdade conjugal virando a noite jogando pôquer ou conquistando alguma beldade da hora. Ele tem conjugada a seu apartamento a Marilyn Monroe. Ela cai no seu colo, mas sua cabeça está dividida entre a sorte e o remorso, entre inocência e culpa, entre oportunidade e compromisso, entre servidão e liberdade.

Ele tenta transformar num roteiro de esplendor e glória o script que a realidade lhe oferece – a mais bela mulher do mundo muito a fim de ficar com ele no apartamento climatizado, e que prefere homens casados a vorazes solteirões. Mas sua atitude é uma comédia, pois ao mesmo tempo em que é atraído pelo abismo do desejo, equilibra-se na fidelidade precária de uma vida rotineira, que abriu uma brecha inverossímel. Seu affair não consumado é como a capa apelativa de um livro sério, sua especialidade profissional. Distorce o conteúdo em função das vendas, perverte o texto imaginando o título e o desenho. Ele sonha o que não tem coragem de exercer. Tapa a realidade com uma ilusão.

O homem casado e provisoriamente solteiro (interpretado por Tom Ewell) tenta entender sua situação como se fosse um padrão da psiquiatria enganadora, que detecta a instabilidade conjugal no sétimo ano de casamento, o que provoca uma coceira de desejos. Uma medicina que torna qualquer caso interessante desde que se cobre 50 dólares a hora, uma fortuna em 1955, data em que foi lançado este filme, The Seven Year Itch (A Coceira do Sétimo Ano, que no Brasil se chama O Pecado Mora ao Lado), do gênio Billy Wilder. Tenta dividir sua angústia – a infidelidade conjugal oportunista e calhorda,  uma traição à família que passa férias na praia – com o patrão, o médico, o síndico. Mas ao tentar consertar a imagem de um homem íntegro, acaba se afundando na contradição de ter uma loura no quarto enquanto recebe visitas que poderão desmascarar o escândalo.

As cenas que imagina com a mulheraça são a fina flor da ironia de Wilder em relação aos clichês sexuais do cinema, em que garanhões cantam beldades sentando ao piano e atacando alguma canção inesquecível. A mulher tornada vaporosa no sonho no fundo é uma doce e ingênua deliciosa que não tem nenhuma culpa e encarna a liberdade que o cara de meia idade persegue sem conseguir encontrar.

Marilyn, esplendorosa, tinha 29 anos na época e faz papel de uma mulher de 22, uma performance que lhe custou o casamento com Joe DiMaggio. Ele tem quase 50 e diz no filme que está com 38 anos. São dois universos que não se tocam. O seco e pervertido pai de família que nega querer traçar a vizinha porque tem medo do escândalo, e a modelo que atrai multidões com suas performances. É desse filme o momento maravilhoso em que sua saia sobe ate o pescoço graças ao vento provocado pelo metrô.

Mas a cena mais encantadora da história do cinema é sem dúvida Tom Ewell e Marilyn Monroe tocando o bife. Ali a Sétima Arte chegou ao auge do encantamento. O bife se sobrepondo a Rachmaninoff.  A alegria superando a tensão. A liberdade salvando o espírito confinado em celas sociais. Num mundo em que o anúncio de pasta de dente da mulher gloriosa atrai mais plateia do que em toda a carreira de Sarah Bernhardt. O cinema fazendo comédia sobre si mesmo. A beleza da mulher se sintonizando com a sensibilidade masculina, repartida entre o prazer e o pânico.

Há inúmeros insinuações hilárias sobre o drama desta comédia. A garrafa de leite como metáfora do atraso masculino que não toma a iniciativa. O dedão do pé ou da mão sugado por uma torneira ou uma garrafa de champanha, impedindo o desdobramento do assédio. Em época de muitas censuras, o cinema dava um jeito para contar a história com todas as letras. Ou com todas as imagens permitidas e de duplo sentido, que driblavam o olho mau dos inimigos da Sétima Arte.

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