17 de dezembro de 2014

O SINATRA QUE DEVEMOS CONHECER



Nei Duclós

Amor, paixão, qualquer um tem, especialmente os que negam o sentimento. Por ser lugar comum, se presta ao equívoco do derramamento. As pessoas costumam dizer “amei” para qualquer coisa, provocando o deboche da canalha sempre a postos. Essa nhaca romântica que parece flor de plástico ou papel de parede, reforça o álibi dos durões que fingem desprezar o que lhes corrói o fígado. O embrulho tem endereço certo: sobra para os autores que se dedicam a algum assunto com paixão, pois costumam ser enquadrados como tendenciosos e superficiais, por, aparentemente, deixarem a chama devastar a razão, vestal favorita dos sem talento.


Para se defender dessa acusação, os apaixonados, os que se dedicam a um assunto com amor, cumprem a escrita e se apoiam em toda a pesquisa possível para que, num ambiente sem contestação, com a informação minuciosa e completa, possa medrar o que parece ser a cereja do bolo mas no fundo é a essência, o motivo pelo qual se escreve alguma coisa: a tesão de decifrar aquilo que conquistou o autor para sempre. É assim que funciona com o escritor Renzo Mora e sua grande obra, SINATRA – O HOMEM E A MÚSICA (Editora Casa Leitura Médica, 275 páginas).

É covardia o resenhista querer pontificar sobre um assunto que não domina. Sinatra é território minado onde Renzo se esbalda com a performance de um craque, já que costura o que de mais importante foi dito sobre o ídolo, para assim mostrar a que veio. Ele se soma ao que descobre e torna-se parte do acervo tão vasto dessa mística em torno da Voz. Seu desafio não é contar mais uma vez a mesma história, mas revelar porque Sinatra é a expressão maior da arte do século 20, porque sua personalidade encarna seu tempo com tanta perfeição e sintonia, e qual o motivo da sua aura eterna.

Isso se faz agindo como formiguinha e não como cigarra. Cantar é para quem é do ramo. O livro é outra coisa. Ali temos o coração do tema. A solidão atávica do personagem que era filho único, nasceu morto e foi arrancado a fórceps do útero da mãe dominadora. Ali vemos como Sinatra se atirou com paixão em tudo o que a vida oferecia, incluindo a dedicação extrema à interpretação, o desenvolvimento canônico da sua técnico vocal, o aprendizado com seus mestres, como Billie Hollyday. Não se separa o homem de sua música, sua vida são suas canções, cada sílaba foi vivida inúmeras vezes, na dor ou na glória. Para esgrimir essa charada, Renzo se joga armado do texto saboroso e múltiplo em informações de bastidores, coisas que só especialista poderia saber.

Ao resenhista cabe navegar no livro para saber mais do século vinte, resgatar o que perdemos com o tempo, redescobrir o sabor da música e pensar, com alívio, que, por mais que destruam o gosto musical, a qualidade, a glória dessa arte, sempre teremos Sinatra e sua música, seu entorno que se estende pelo que há de melhor e mais significativo da época que se foi, mas que faz parte de nós como um bar para onde  voltamos quando faltam 15 minutos para as três da madrugada. O importante é que Renzo não dourou a pílula para livrar a cara do ídolo. Vemos Sinatra inteiro, com todo seu lado escuro, seus erros, suas violências. Não estamos diante de um sujeito tão perfeito quando sua voz. Estamos diante do homem e de sua música.

Aprendemos pela mão da competência e talento de Renzo Mora, o menino que em 1980, aos 17 anos, foi ver Sinatra ao vivo no Maracanã e que hoje nos brinda com esse trabalho memorável, exemplo de como se deve fazer quando temos algo a dizer sobre o que realmente nos habita o espírito.


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