Nei Duclós
A ferida não cicatriza porque as imagens não costuram. Estão
dispersas, em sépia, preto e branco, cinza: retratos de desaparecidos, o extermínio
de um povo na Polônia ocupada pelo comunismo nos anos 60, onde uma noviça
percorre o caminho da própria identidade e só encontra funeral e suicídio. Ela
nada sabia porque não dispunha de fotos. O filme procura reunir as porções que
formam essa cicatriz que sangra eternamente: os judeus condenados ao exílio,
para fora das fronteiras ou para o fundo da terra em covas anônimas em bosques
sinistros.
A futura freira esconde o cabelo ruivo, que o salvou do massacre,
pois assim passou por não judia e foi poupada. O irmão, moreno e circuncisado,
não teve o mesmo destino. Foi-se junto com os pais nas mãos de algozes sem
grife, camponeses que queriam roubar a terra da família de judeus perseguidos
pelo nazismo. Esconder os corpos foi a
forma de se apropriar da terra. Mostrá-los para as herdeiras foi o acordo para
consolidar o roubo: houve a troca da devolução dos restos pela posse definitiva
do sítio.
O filme carrega no clima visual das fotos perdidas. Procura
ser o álbum que falta na vida das duas protagonistas, a sobrinha órfã ( Agata
Trzebuchowska) que virou católica e a tia (Agata Kulesza )que virou comunista e
acabou no alcoolismo. Tudo é desvestido na obra Ida (2014), considerada a
melhor do ano pela revista New Yorker, dirigida pelo polonês Pawel Pawlikowski,
que também assina o roteiro junto com Rebecca Lenkiewicz . A paisagem rural nua,
estática, destaca as personagens isoladas em seus dramas, que num road movies por
estradas e aldeias úmidas, procuram descobrir o paradeiro dos desaparecidos. A
paisagem urbana, rápida como um trem em movimento, é uma sequência de frames
que parecem do velho celuloide, que mostram pelas janelas as ruas tomadas por pessoas
engessadas numa sociedade espiritualmente morta.
O que desagrada é essa intenção de alcançar, via preto e
branco e no tom minimalista, a profundidade e a carpintaria da obra prima. É o
que dizem do filme,mas discordo. Há intenção demais nesta narrativa que devolve
personagens para o beco sem saída. A solução é a morte ou então assumir a nova
identidade que soa falsa, pois uma freira judia ou uma magistrada comunista
alcoólatra mantem o paradoxo de uma história sem desfecho convincente. Mas são
detalhes. O importante é destacar a intenção de compor um álbum familiar a
partir de imagens esparsas, de costurar uma cicatriz que jamais encontra a cura
e de oferecer o mundo partido para quem , como espectador, sofre junto com
essas pessoas perdidas, que contam ainda com a presença do saxofonistas interpretado
por Dawid Ogrodnik.
Ele acena com uma solução, a vida rotineira de um casal com
filhos. Mas ela prefere voltar ao convento onde encontrou abrigo, sabendo agora
de onde veio e o que aconteceu com sua família.
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