8 de outubro de 2014

CORPO PRESENTE



Nei Duclós

Te acostumaste enfim com minha ausência
cuidas do jardim, jogas paciência
lês os clássicos para recuperar o tempo

Sentas com atitude de garça, bicho em guarda
perfil de mente rente à hora que disponho
para por-me em dia antes de bater na porta

Demoras a atender, acostumada ao limbo sólido
que construíste em profundo sentimento
Mas cedes e me olhas como seu eu não estivesse

Mudaste o cabelo, vestes uma roupa que ignoro
uma outra intimidade me surpreende, estive longe
e queres me dizer que agora é muito tarde

Eu compreendo, abusei da sorte e fui me embora
até o inverno desempenhar o seu ofício, tens outro norte
joia de um trigal que no abandono reluz ainda mais firme

Corpo presente, alma em tiras como um trapo de luxo
que um nobre decaído atira da janela. És a pássara
de um palácio oculto, voas muito acima das estrelas


RETORNO - Imagem desta edição:  obra de John George Brown.

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