Nei Duclós
Cinema é indústria estratégica, síntese de todas as outras,
vitrine do país, formatadora do imaginário nacional, exportadora da imagem
interna, geradora de riquezaas. Serve para definir princípios, impor percepções
e versões. Não é deixado de lado em países ricos, como Estados Unidos, França,
ou Inglaterra, que não descuidam dos detalhes: toda cinematografia desses
países obedecem a padrões morais rígidos, mesmo que não pareçam (até o
assassino profissional James Bond é um “our son of a bitch”).
Com o caos das últimas décadas, é preciso colocar as tabuas
da lei no meio dos adoradores de bezerros de ouro. Por isso cada filme
americano, por exemplo, é uma descida aos infernos que um herói ou prospecto de
herói faz para de lá traz o pomo de ouro do sonho nacional de coesão e
sobrevivência. Nenhum filme escapa disso. Nem o recente Oz: Mágico e Poderoso
(2013), de Sam Raimi, que estreou no início de março no Brasil.
O mágico charlatão de parque de diversões ganha uma chance
de recuperar-se diante do desafio de trazer os anos dourados de volta a um
reino encantado. Por coincidência, esse reino tem seu próprio nome, Oz. Fica
claro que é uma viagem interna, psicanalítica, que o desastrado conquistador
barato, mentiroso e ladrão precisa empreender para que a nação, que estava dividida
e sob o domínio do Mal, recupere suas virtudes. A principal virtude é a
Bondade. O pai fundador morreu assassinado por uma das filhas, que ambicionava
o poder e o tesouro do trono. Mas contra essa trindade de Parcas sem domínio existe
a profecia, a de que um mágico viria para expulsar a Maldade e recuperar as virtudes
originais.
Quem está próximo do bobalhão sabe que ele não é de nada,
mas é a única chance que possuem. Empurrado assim para uma situação terminal, e
louco para meter a mão no tesouro do reino, o falso mágico vai atrás da bruxa
má para quebrar-lhe a varinha de condão, ou seja, acabar com seu poder sobre
tudo e todos. Mas descobre que a mulher que deve matar é a fada boa e ele
estava sendo manipulado por duas irmãs malvadas. A boazinha domina o último
reduto intacto do reino, protegido por uma bolha impenetrável. Mas a chegada de
Oz, confirmando que tudo iria mudar, desencadeia o conflito.
Os americanos trabalham na indústria do espetáculo o tempo
todo. Vemos nos filmes os discursos domésticos para todas as ocasiões. Tudo é celebrado,
saudado, homenageado. A vida é um filme, um teatro, um clipe e cada cidadão é
um protagonista com persona com falas. Nesse nicho de espetáculo permanente, OZ,
que é do ramo, enfrenta a maldade por meio de um truque da percepção. Usa o
ilusionismo, alimentado pelas descobertas científicas (Thomas Edison é o grande
herói do anti-herói)para se impor às bruxas que querem exterminá-lo e assim
desmoralizar o mito nacional.
A luta vitoriosa traz seus presentes: a amizade, a solidariedade,
a alegria, a auto-estima, a família e o amor permanente, o que gera prole e
descendência. É assim que a nação
sobrevive: recuperando o cidadão perdido para um papel extremo, que traz na sua
luta vitoriosa as virtudes que tinham sido eliminadas junto com o pai fundador,
que é a origem nacional.
Americano não brinca em serviço. Não veio ao mundo a
passeio. Oz, como todos os filmes, é sobre cinema: começava no clássico preto e
branco e termina no espetáculo a cores. Foca na capacidade de iludir com
imagens e sua narrativa com lição de moral. O trecho do filme em preto e branco
é o mundo condenado da realidade. O que vale é a imaginação, o sonho, o
espetáculo: é nessa arena que se define a luta desigual. Mas a mágica tradicional perde importância para a mágica promovida pela ciência. No fundo, a lógica se sobrepõe como força maior.
O elenco é ótimo: James Franco está à vontade no papel do
canalha ambicioso que acaba virando bonzinho, Michelle Williams é um talento
somado à beleza e Rachel Weisz e Mila Kunis, sofridas como bruxas más, conseguem
convencer com suas performances. A história, baseada na obra de L. Frank Baum ,
que já nos deu o grande clássico de 1939, se presta aqui a uma excelente
narrativa, cheia de efeitos especiais encantadores. Nada de excessos cansativos.
Belo filme.